terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Um poema roubado




Ela sussurrou-lhe um poema.

Ele ria. O poema fazia cócegas.

Ela sorria. Olhava pra ele, fechava os olhos pra ouvir a gargalhada dele, som que lhe agradava. Muito! Lembrou das palavras da professora de música:

- Fecha os olhos e observa a paisagem sonora... O mar batendo forte e bem próximo. Ao longe gritos alegres de crianças e latidos eufóricos...

Ele não respondia, não fechava os olhos... Olhava-a com encantamento e ria... Só ria.

- Eu sei o que estás pensando!

- E o que eu estou pensando?!

- Estás pensando que estou ficando louca!

Ele ria, agora misturando encantamento e espanto:

- Como é que cê pensou o que eu tô pensando?

- Teu zoinho denuncia!

O que ele não sabia, mas ela percebia, é que na fala dele havia muito mais poesia do que em tudo o que ela escrevia!

- Bianca Velloso -

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Explosão


Não se pode conter a poesia
a poesia explode tal qual
gargalhada, choro, orgasmo 
ou convulsão

- Bianca Velloso -

Iemanjá



Teu vestido rendado de ondas
bordado de espuma
debaixo da tua saia
estou amparada e protegida
minha mãe Iemanjá

- Bianca Velloso -

Utopia



A fome/2
Um sistema de desvinculo: Boi sozinho se lambe melhor.., O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco da de amar: condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços. - Eduardo Galeano no livro dos abraços

Do sistema de desvínculo
sou prisioneira, vítima e algoz
também tenho medo

O mundo não é o que eu queria
mas sei fabricar sonhos
a poesia é minha utopia
com ela posso descortinar horizontes
caminhar, transformar, transmutar

Não é a verdade que  nos salva
nem as certezas...
O que nos salva
é o que a gente inventa!

- Bianca Velloso -

Pra que serve a poesia?


Pra por beleza nos olhos
Pra por horizonte no caminho
Pra fazer caminhar
Pra fazer chorar
Pra fazer brincar
Pra fazer enxergar
Pra fazer acreditar
Pra fazer voar
Pra fazer sentir
Pra fazer sorrir
Pra fazer existir
Pra fazer sumir
Pra fazer o mundo girar

- Bianca Velloso -

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Conversas entre filha e mãe


- Mãe, quem é o dono da cidade?

- A cidade não tem dono, meu amor, a cidade é de quem mora nela!

- Se a cidade não tem dono porque está escrito ali naquele muro "cidade à venda"?

- Ah, filha, isso é porque o prefeito e a maioria dos vereadores (que deveriam cuidar da cidade e das pessoas que moram nela) estão mudando todo o plano diretor... Então onde era para construir parques, espaços para que as crianças pudessem brincar, os adultos pudessem fazer exercício, ler um livro, ou não fazer nada se assim quisessem, ou seja, espaços onde todas as pessoas que moram na cidade pudessem usar, agora o prefeito e a maioria dos vereadores deixam construir prédios e hotéis caros... Quem é que entrar num prédio ou num hotel? São todas as pessoas que moram na cidade?

- Não, só poucas pessoas, né mãe?

- É, eles querem vender esses espaços para quem só pensa em ganhar dinheiro... E ganhar dinheiro não é tudo na vida, né filha? Existe coisa muito mais importante do que ganhar dinheiro. A gente precisa poder viver bem no lugar onde a gente mora, com qualidade de vida... Eles constroem esses prédios grandes, vendem pra um monte de gente, quanto mais gente mora na cidade mais cheia ela fica, mais carro, mais fila pra todo lado: nos postos de saúde, nos hospitais, nos ônibus, no trânsito....

- Mãe, e quais os vereadores que votaram a favor das pessoas que moram na cidade, contra os prédios e os hotéis?

- Só três, filha, o Afrânio, o Lino e o Pedrão.

- Eu acho que não deveria existir carro na cidade, as pessoas tinham que andar de bicicleta, só de bicicleta.

- Mas e se a pessoa precisasse ir num lugar bem longe? Como ela faria? De bicicleta iria demorar muito...

- Podia existir um trem bem grandão, vários trens, que não precisassem de gasolina nem nada que poluísse... Aí as pessoas iam de bicicleta até o lugar do trem sair e depois andavam de trem!

Simples assim! E ela só tem cinco anos! Porque o dinheiro complica tudo!

-Bianca Velloso -

caderno de poesia

- Mãe, que caderno é esse?

- É o meu caderno de poesias.

- Tu escreves aí as tuas poesias?

- Sim, as minhas e as que leio e gosto e quero guardar...

- Compra um caderno de poesias pra mim também?

Aí está o resultado:


Celebração



E a burguesia
mata todo dia
aquela poesia
que o deus menino
no caminhar escrevia
simplicidade
humildade
pés descalços
e pra celebrar
aquele que
tudo repartia
fecha as portas
da sua moradia
esbanja comida
e capital
numa festa formal

uma festa na rua
pra celebrar a lua
pra celebrar a vida
pra celebrar o outro
o desconhecido
que é meu irmão
e repartir o pão
em roda, no chão
era tudo o que eu queria

mas sou prisioneira
do "sistema de desvínculo"
como Galeano escreveu

e nesta data
me sinto um peixe
fora d'água

amanhã tudo volta ao normal
e o que é mesmo o normal?

- Bianca Velloso -

Ao que vai chegar

O melhor presente de Natal
está em forma de semente
grão de poesia
dentro do ventre
da mulher menina
da humanidade
logo mais vem preencher
a casa, a vida, o dia-a-dia



- Bianca Velloso -

sábado, 14 de dezembro de 2013

Curativo



Nem cocaína
nem heroína
nem vitamina
ou qualquer anfetamina

Só um mergulho
no teu beijo
cor de sol
é que me cura
dessa vontade
de chorar
sem por que

Essa tua boca
pura loucura
de rua, de lua
poeira de estrela
e de estrada

- Bianca Velloso -


Um poema de Natal



Queria celebrar o Natal
no meio da rua
com rituais sagrados
recém inventados
sem formalidade
dançar ao som da lua
fazer guerra de estrelas
brincar de roda de mãos dadas
com Mamãe Terra
minha família é a humanidade!

- Bianca Velloso -


Onde encontrar alegria




Quero a alegria
das flores amarelas
que dançam faceiras
acariciadas pelo vento.

- Bianca Velloso -

sábado, 7 de dezembro de 2013

Meu Herói



Meu herói
rouba livros
inverte verdades
a(s)cende estrelas
e salva o mundo
de toda perversidade
com seu olhar
de humanidade

- Bianca Velloso -

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Oração



Nem a dor
nem a idade
nem a correria
nem mesmo
vinte minutos
de atraso
...
Que nada
no mundo
nos impeça
de contemplar
a poesia
presente
no dia-a-dia

- Bianca Velloso -