quarta-feira, 10 de abril de 2024

Precisamos falar sobre a finitude

Precisamos falar sobre a finitude. Não é fácil encarar a morte. Mas não há como se fugir dela. Pode até ser que vez por outra a gente consiga escapar, mas um dia ela chega. Acho que mais do que a nossa própria morte, a partida de um ente querido é o que mais nos assusta e o que mais dói. Já não tenho minha mãe por aqui, mas ter vivido tudo o que vivi com ela faz minha vida valer a pena, faz minha alegria se manter acesa, mesmo nos dias tristes.
Minha mãe tinha o riso frouxo, ria até doer a barriga, até chorar, até fazer xixi nas calças. E eu ria junto, do mesmo jeito. Uma das melhores coisas que fiz na vida foi ajudar minha mãe realizar um sonho: voar de parapente. Ela tinha 72 anos quando dei de presente a ela o voo. Eu nem imaginava que só teria mais três anos com ela. Imaginava que ela viveria até uns 95.
Hoje é como se ela ainda estivesse aqui, mesmo sem a presença física, sem as conversas, os abraços... A presença dela está comigo porque o amor não morre, o amor fica. Toda hora me pego pensando: "minha mãe estaria orgulhosa disso, minha mãe precisava ter visto isso, minha mãe gostaria dessa comida..." Engraçado essa coisa das comidas, minha mãe adorava comer e era muito bom cozinhar pra ela, antes de sentar à mesa olhava e dizia: "hum, chega a dar dorzinha". Tem algumas comidas que eu gosto muito mais do que gostava antes porque são comidas que ela adorava e comer essas comidas é sentir a presença da minha mãe. Tem muita comida que ela gostava e eu não, dessas eu continuo não gostando, porque minha mãe gostava de tudo e eu sou meio chata para comer, mas aquelas que eu gostava um pouquinho e ela gostava muito, hoje eu gosto mais.
Lidar com o luto é um aprendizado diário. É dolorido. Mas é bonito também, porque é perceber que o amor não morre nunca. E talvez essa seja a vida eterna: o amor que a gente deixa e que vai passando de geração em geração. Para mim isso é Deus: o amor que nos conecta enquanto humanidade e natureza, a parte mais bonita da vida. No meu modo de ver as religiões são metáforas que nos ajudam a perceber que a existência só faz sentido quando percebemos que há uma conexão profunda entre as gentes, a natureza e o mundo.

(Bianca Velloso)

venturas e desventuras ou a beleza de ser mãe de adolescente

 Fui levar a cria para a escola. Ela não estava com um humor muito bom: o turbilhão da adolescência, o peso de um ensino médio, o vestibular que está logo ali e uma noite mal dormida.

- Filha, só tem até o fim do mês pra resolver a história do teu título eleitoral.

- Ai que saco! Eu não tenho tempo pra ir lá! 

- Se quiseres posso ver um dia para ir contigo, não marco paciente no início da tarde e vou, na segunda-feira, talvez...

- Segunda não dá porque tenho que estudar para prova de terça.

- Na terça não dá também porque tens aula de tarde, quarta e quinta eu não consigo. Na sexta, talvez, ainda não tenho paciente agendado no início da tarde, posso fechar a agenda e vamos.

- Nem pensar que vou na sexta-feira fazer isso.

- Bom, então tá, se não queres tirar o título não tira, não és obrigada a votar ainda mesmo...

- Não, eu quero tirar o título... Pode ser no dia 29/04, uma segunda porque nessa semana não vou ter prova.

- Tá bom. Combinado.

Seguimos viagem. Escutando as músicas que ela escolheu: Taylor Swift. Ela foi relaxando, perguntei o que ela gostaria de almoçar, hoje eu tenho a manhã livre, posso preparar o almoço, não consigo almoçar com ela porque tenho que estar no trabalho às 14h e ela sai da escola às 13h, mas consigo deixar pronto para quando ela chegar. Prometi o bolinho de arroz com batata, arroz e frango. Ela desceu do carro e troquei a trilha sonora. O Chico começou a cantar e lembrei da nossa conversa de ontem, quando o humor estava melhor:

- Sabe que eu não tô desgostando de "Torto Arado"?

- Ah, que bom. Em que parte estás da história?

- Bem no começo ainda, quando aparecem as gêmeas... Em algum momento ele conta quem perdeu a língua?

- Conta.

- Tá, não me fala. Eu vou dizer quem eu acho que foi, mas não me diz se estou certa ou não. Eu acho que foi a Belonísia.

- A parte mais bonita do livro pra mim é quando ele fala o que significa o "torto arado".

E o Chico cantando com a Clara:

"Consta nos astros, nos signos, nos búzios

Eu li num anúncio, eu vi no espelho

Tá lá no evangelho, garantem os orixás

Serás o meu amor, serás a minha paz"

Lembrança e música se entrelaçando em mim com tanta beleza que lágrimas brotaram em meus olhos. Só deixei a emoção vir... Não é fácil ser mãe de adolescente, é bem desafiador, é um exercício de paciência diário, de uma paciência que nem sempre a gente tem. Mas é bonito. Pelo menos ser mãe da Helena é. 

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024



talvez o que nos trave a escrita seja o medo

mas não qualquer medo

o medo de ser observada por dentro

...

me incomoda ser observada por fora

por dentro ainda mais

...

às vezes nem eu mesma gosto de me observar

nem de encarar o espelho

nem de olhar o dentro

...

o dentro é denso

infinito, infindo

buraco negro

impreciso

incompleto (ainda bem)

e é o que move

é o passo a frente

que às vezes pode ser um passo atrás

(ou um pé atrás)

é do através que eu gosto

sem racionalizar demais

nem internalizar

é o meu jeito desajeitado de dançar

às vezes o que nos bagunça é o que nos organiza

(ou harmoniza)

e mais do que isso não precisa


(Bianca Velloso)