Helena acordou cedo e já havia tomado a mamadeira matinal. Sentei com o Val para tomar café. Em cima da mesa estava o Livro dos Abraços, do Eduardo Galeano que usei há poucos dias para compartilhar alguns textos com uma das minhas amigas mais queridas. Enquanto tomava café abri o livro numa página qualquer. Era a página da "Crônica da Cidade de Montevideu":
Julio César Puppo, conhecido como Lenhador, e Alfredo Gravina se encontraram ao anoitecer, num café do bairro de Villa Dolores. Assim, por acaso, descobriram que eram vizinhos:
- Tão pertinho, e sem saber.
Ofereceram-se uma bebida, e outra.
- Você está muito bem.
- Qual o quê…
E passaram umas poucas horas e muitos copos falando do tempo enlouquecido e de como a vida andava custando os olhos da cara, dos amigos perdidos e dos lugares que já não são, memórias dos anos moços:
- Você se lembra?
- E se lembro…
Quando finalmente o café fechou, Gravina acompanhou o Lenhador até a porta de sua casa. Mas depois o Lenhador quis retribuir:
- Te acompanho.
- Ora, não se incomode.
- Mas é um prazer…
E nesse vai-e-vem passaram a noite inteira. Às vezes paravam por causa de alguma recordação súbita ou porque a estabilidade deixava muito a desejar, mas em seguida continuavam na ida e volta de esquina a esquina, na casa de um à casa de outro, de uma porta à outra, como que trazidos e levados por um pêndulo invisível, acarinhando-se sem dizer nada e abraçando-se sem se tocar.
Adorei e quis compartilhar com ele. Li em voz alta. Helena, que brincava ali perto, parou na porta e ficou nos olhando:
- O Val não sabe ler, mãe?
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