sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

sobre passagens

Ivan,

Tua partida está doendo. Não imaginei que sentiria tanto. Nem poderia imaginar que seria tão cedo... Ainda não acredito. Ainda quero enxergar teu rosto na rua. Até procuro. Quanto tempo levará para eu parar de lembrar da circunstância da tua morte toda vez que vejo um motociclista por aí?

Tu foste meu primeiro amor. E sei que é amor o que fica dessa história. Nossa história. O pedaço da minha história que te pertence. O pedaço da tua história que me pertence. O encontro e o desencontro. Tantas coisas a memória já levou. Desde domingo, desde a notícia do teu desencarne, não me sais da cabeça. Tantas coisas que não sei de ti, que não lembro, que não tivemos a oportunidade de dividir... Não sei teu prato preferido. Nem a cor predileta. Não sei teu gosto musical. Coisas que escapam da memória. Coisas que ficam. Lembrei do teu gosto por camisa xadrez. Não sei mais o dia do teu aniversário... Algo me diz que é maio... Pura intuição, não sei... Informação que perdi um dia e não encontrei mais... Ao mesmo tempo, este tempo... Este tempo que me engasga no falar e até no escrever... Este tempo... Este tempo de não estares mais aqui... me trouxe o cheiro da casa da tua mãe, o cheiro da tua casa naquele tempo em que havia frequencia em minhas visitas. Um cheiro bom. Muito bom. Um cheiro amado.

E por falar em frequencia, desde domingo que tua imagem me salta com frequência, frequência imensa, mesmo nas coisas mais banais do meu dia. E tem sido difícil até trabalhar (e olha que o trabalho é o local onde esqueço o mundo, gosto demais do que faço). Às vezes é a imagem da despedida. Às vezes é tua imagem na adolescência. Teu sorriso, teus olhos... Imagem esta que não quero esquecer. Imagem que quero reter aqui dentro da mente, do peito, de mim.

A imagem mais bonita que tenho de ti é do nosso último encontro, há uns dois ou três anos, na praia. A gente se abraçou num abraço tão terno... E havia tanto carinho em teus olhos...

Arrependo-me de não ter marcado um café para conversarmos mais... Arrependo-me de não ter te escrito enquanto estavas por aqui... E dói. Dói muito. Lembro que me contaste que tens uma filha. E achei isso tão bonito. Lembro que me disseste o nome dela, mas o nome se perdeu na minha cabeça. Eu também tenho uma filha. Lembro que a tua filha é um pouco mais nova que a minha.

Acredito que hoje entendi o motivo de nosso namoro ter sido abortado logo no princípio. E te amo ainda mais por conta disso. Foi cuidado, proteção. Foi amor.

Queria ter dividido mais o riso contigo. Queria ter divido sabores e saberes. Não temos mais tempo. O tempo te levou. Vai me levar também, mais dia menos dia ele leva... Só não quero te perder na memória.

Acho que nunca te escrevi um poema...Queria te transformar numa palavra. A palavra mais bonita de toda a vida. A palavra que quando dita, bem dita, te trouxesse novamente para mim... Tua imagem, teu riso, teus olhos, tua voz... Vou te escrever um poema, assim como a vida te escreveu em mim. Hoje não consigo, tua ausência está doendo muito. Escrevo melhor na alegria. E é com alegria que quero te celebrar. Hoje só esta carta... Tomara que exista mesmo vida após a morte, Orum. Tomara que recebas minha mensagem, minha ternura, meu afeto, meu amor.

Bianca 


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