domingo, 26 de novembro de 2023


 

Eu ia escrever que não conhecia o luto até perder a minha mãe, mas depois entendi que cada luto é diferente. Da mesma forma como pessoas diferentes vão sentir de forma diferente a perda do mesmo ente querido, para cada ente querido que a gente perde o sentimento de luto é diferente. Perder mãe é perder referência, perder o porto seguro de toda hora. Aos pouquinhos a gente vai se encontrando novamente e percebendo que a mãe está e é em nós até o fim. 

Acho até que lido bem com essa dor, um tanto por ter uma leitura prévia (e ainda continuar lendo) os textos da Dra Ana Claudia Quintana Arantes, outro tanto pelas conversas que tinha com minha mãe, que era espírita, que trabalhou no CAPC (Centro de Apoio ao Paciente com Câncer) e no Núcleo Espírita Nosso Lar. Falar sobre a finitude pra nós aqui em casa nunca foi um tabu. 

Eu estou bem e escrever me ajuda a elaborar o luto. Estou feliz com minha família, tenho dado e recebido muito amor: filha, marido, irmãos e sobrinhos. A doença da mãe - o cuidar, o tempo de hospital, os cuidados em casa - acabou me aproximando muito mais do meu irmão. A gente sempre se deu bem, tanto que ele é o padrinho da minha filha (fora uma ou outra encrenca pontual), mas dividir os cuidados com a mãe nos tornou muito mais parceiros. Estar perto dele e da família dele é pra mim estar mais perto da mãe (acredito que pra ele estar perto de mim e da minha família também seja estar mais perto da mãe). Estou feliz com o meu trabalho, além do consultório, este ano surgiu a oportunidade de trabalhar no Instituto Thea, com terapia visual, com uma equipe que me acolhe, que me instiga, que me traz conhecimento, que me faz pensar, que me faz ter vontade de querer conhecer cada vez mais. Tenho me divertido, escutado muito samba, que pra mim é o suprassumo da alegria (não consigo escutar samba quando estou triste). Quando o dinheiro dá a gente faz uma programaçãozinha diferente. 

Algumas coisas me roubam lágrimas de vez em quando: como no show do Gilberto Gil quando ele cantou "Tempo Rei" ou quando a Mariana Aydar cantou "Ai que saudade d'ocê" ou quando o Arnaldo Antunes cantou "A casa é sua"... Impossível não se emocionar. Mas que bom que é assim, que a gente pode se emocionar. A emoção, nesses casos, é a presença da minha mãe em mim. Ontem eu fui à praia pela primeira vez depois que a mãe partiu. Eu fui até a praia algumas vezes depois da partida dela, mas só para caminhar (e também fomos jogar as cinzas dela no mar), desde que ela adoeceu não tinha ido à praia para ficar... Ficar na praia ontem foi ao mesmo tempo bom e difícil. É bom estar na praia, mas estar na praia ainda me traz lembranças do ano passado, dessa época e os sentimentos se misturam. 

Assim é estar vivo, assim é viver, ir envelhecendo aos poucos. A vida é essa mistura de sentimentos e sensações. Minha velhinha me faz muita falta, ela ainda tinha sonhos que queria realizar, não deu tempo... Um deles eu ajudei ela a realizar: voar de parapente. E o conselho que dou para quem tem mãe viva é: descobre o sonho da tua mãe e ajuda ela a realizar, faz um bem danado. Realizar sonho de filho é muito bom, mas realizar o sonho da mãe da gente que foi quem sempre nos ajudou a realizar os nossos sonhos tem um sabor muito diferente. Vale muito a pena experimentar. Minha mãe era uma pessoa cheia de vida. Sou feliz e grata por ser filha da Eunice e trazer em mim tantas e tantas coisas dessa mulher maravilhosa.



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