segunda-feira, 31 de março de 2014

jardinagem



mesmo se
um dia
nós dois
dividirmos
a mesma casa
a mesma cama
o dia-a-dia

peço que não
esqueças
:
é nos teus sonhos
que quero viver


- Bianca Velloso -

trilha



quero inventar contigo
uma nova tribo
e viver assim como índio
de caça, pesca e colheita

num dia pesco versos
com gosto de horizonte
e tu colhes metáforas
com cheiro de luar
no outro caço um poema
e tu preparas o jantar
com tempero de melodia

- Bianca Velloso -



terça-feira, 25 de março de 2014

Luxúria



A maçã 
é uma fruta 
tão sem graça...
cê não acha não?
quem pecaria
por uma maçã?

dependendo
do pecado
eu pecaria
por muito menos
que uma maçã...


De uma conversa que rolou num café da manhã, eu só montei em versos... Com Adriane Garcia, Quimera Araucária, Suzana Pires, Homem Arara, Carolina Velloso e Leira Salete Guarany Kayowá.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Num cantinho sagrado de Abya Yala


quando minha poesia
não é maior do que a tua
nem do que a deles

quando a poesia
se ajunta
se escuta
se celebra

quando a poesia
não tem dono
quando ela é nossa
é de todos
é do povo

quando ecoa
e deixa o vento entrar

é neste momento
que acontece
um ritual pequenino
tão sagrado
capaz de acender
um furacão de afeto
feito de versos
de embalar vaga-lumes
e poeira de estrelas
um clarão de luz tênue
que descompassa o coração
harmoniza o chão
e reequilibra a Terra

- Ecopoético -

quarta-feira, 19 de março de 2014

onde nasce a poesia



vou examinar
teus olhinhos
com aparelho
de escutar coração
que é pra ver se descubro
como nasce a poesia

desconfio que ela esteja
dentro de quem desperta sonhos
nunca antes imaginados

como tu em mim

tua voz me convida
eu embarco na tua
eu rio

logo eu...

...que nem sei dançar

- Bianca Velloso -




sobre poemas e imagens

 

Fotografia: Chris Mayer


às vezes um poema é só uma imagem
outras vezes uma imagem é muito mais que um poema

- Bianca Velloso -

terça-feira, 18 de março de 2014

sobre as aparências





o relógio na parede
já não marca hora nenhuma
as chaves se perdem pela estrada

e o que parece abandono
pode ser apenas exercício de liberdade

juro que um dia
ainda viro passarinho

- Bianca Velloso -

quando as palavras saem pra passear


sobre uma pedra
no alto do despenhadeiro
ela observa o desenho
traçado pelo voo
das palavras

com a alma vazia
de vocábulos
agora é só
sentimento
se quisesse gritar
não poderia


venta forte
e ela lá
inerte e nua
posando de Afrodite

só os cabelos
é que dançam

sabe que sua sina
é enfrentar dragões
para acender o firmamento

por isso não foge de nada
nem do fogo que se
alastra nas entranhas

- Bianca Velloso -

chuva



a chuva que chove agora
tem gosto de lágrima

mas que lágrima será essa

doce ou amarga?

- Bianca Velloso -



segunda-feira, 17 de março de 2014

Sagração de vaga-lumes



a brisa se fez vendaval
despenteando os cabelos
emaranhando os vãos
e os vasos que levam ao coração
a brasa se fez labareda
e o profano tocou o sagrado
o brinquedo secreto
era mais que faz de conta
o salgado-doce de uma lágrima
que ilumina a face
de quem de repente
sente o sonho
se transformar em carne

- Bianca Velloso -

quinta-feira, 13 de março de 2014

Pétreo Poema



Ah, poeta
este preconceito
não te cai nada bem

a poesia não é feita só
de palavras difíceis
- quase ininteligíveis -

a poesia também pode
ser feita com palavra bruta
poesia é ajuntamento

- Bianca Velloso -

sábado, 8 de março de 2014

8 de março



(especialmente para Camila que aniversaria no dia que existe para nos lembrar que nosso dia é sempre)


a vida pra ela
nunca foi bela
mas sempre dela

e no meio de tanta luta
no fundo daqueles olhos
dentro daquele peito
ela cultiva uma flor
chamada TERNURA

- Bianca Velloso -

quarta-feira, 5 de março de 2014

um sonho de carnaval



vento na cara
cabeleira solta
e de repente
aquela mulher
que vivia triste
vestiu-se
de alegria
e se fez menina
e se fez princesa
às gargalhadas
na bicicletinha
do príncipe plebeu

- Bianca Velloso -

a dor de se saber ser



tem dias
em que
dá vontade
de esfregar
a alma
com força
até que
não reste
nenhum vestígio
de palavra

- Bianca Velloso -

segunda-feira, 3 de março de 2014

Afrodisíaco



o Homem Menino
me ensina
o único
afrodisíaco
verdadeiro
é o riso

não, não qualquer riso
não esse riso nervoso
nem o riso de piada
ou palhaçada

afrodisíaco é o riso
frouxo sincero
aquele que nos faz alma
riso de cumplicidade

- Bianca Velloso -

Nó na garganta



aquele nó
na garganta do poeta

um segredo maldito
uma verdade inaudível
um medo impreciso
uma vontade clandestina
um sonho indecente
uma culpa abstrata
um pesadelo bonito

uma poesia atravessada

- Bianca Velloso -

o vendedor



ele tinha os olhos
de brincadeira interrompida
oito anos no máximo

- moça, compra um saquinho de castanha?

sentou na areia e chorou

chorou um choro sem lágrimas
chorou um choro sem esperança
chorou a castanha que não vendeu
chorou o seu lugar na praia segregada
chorou os olhos covardes da moça
chorou o exílio da infância
chorou a doença do mundo

num choro sem lágrima e sem esperança
a moça dos olhos covardes também chorou
chorou a covardia dos seus olhos
chorou a inutilidade da cultura
chorou impotência do seu colo
chorou a segregação democrática
chorou a doença do mundo

e a vida seguiu sem lágrima, sem riso, sem nada

- Bianca Velloso -

domingo, 2 de março de 2014

a arte do desencontro



a poesia
é a arte
de transformar
o desencontro
em encontro

a direção
:
 o olhar

o sentido
:
a troca

- Bianca Velloso -