segunda-feira, 27 de abril de 2015

fotografando o silêncio

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

vi o silêncio nu
no ventre da madrugada
.
o silêncio que me aparecia
quase sempre
como um senhor sisudo
marchando nas bibliotecas
perambulando nas salas de espera
.
o silêncio agora estava ali
à minha frente
e era um menino
um menino desnudo
a brincar com o tempo
a acariciar o instante
.
fiquei horas ali
a observá-lo
.
quando se cansou da brincadeira
o silêncio adormeceu no meu colo

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

têmpera



poesia temperamental
que me persegue
que me percorre
que me percebe
...
nas têmporas
nas fuças
nas veias
no ventre
:
traçando veios
tramando meios
fazendo-me expert
em criar descaminhos
e desatinos
.
rugosidades
temperando intempéries
no exato momento em que teimo
em engarrafar o tempo
.

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

vermelho comunista

(para Maria Eugênia)

os dias prosseguem
velhos e secos de lua
.
os óculos repousam
sobre um livro de Galeano
:
arquivo vivo
.
dos bolsos da calça

es
   cor
        re
            gam

pedrinhas brilhantes
do muro dos escravos
.
um retrato deixado
na parede da igreja
...
promessas que se esvaem
.
volto pra casa
cabelos soltos no espaço
e os passos presos no asfalto

(Bianca Velloso)

cianureto



lábios cianóticos
e uma metáfora
atravessada no peito
.
entre sístoles e diástoles
o amor transformado em metástase

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

um poema de caveira



Alexandrina Felisbina Vieira
era uma caveira
triste, solitária e cabisbaixa
não sorria
não andava
não falava
nem assustar
ela assustava
...
foi aí que um belo dia
na beira da estrada
de repente, sem querer
no meio do nada
a menina com nome de rainha
deu de cara com a coitada
...
a menina, que era assim
meio bruxa, meio fada
com pozinho de pirlimpimpim
deixou Alexandrina encantada
depois a levou para casa
e a caveira que estava abandonada
agora vive toda adornada
bem no meio do jardim
fazendo a alegria da criançada

(Bianca Velloso)





domingo, 5 de abril de 2015

Pertencimento

Ela nada tranquila no azul. Mergulha. Flutua. Olha para cima e vê um rabo de baleia. Percebe-se pequena. Assusta-se. Acredita-se. A baleia vira golfinho. Juntos brincam de ser uno. Universo.

Depois ela aparece dentro da casa. A casa de paredes verdes, um único cômodo. A casa está prenha de dor. A morte está sentada no centro. Veio pela mãos dos homens, sem pedir licença. Arrancou do pequeno lar o menino. 

A dor daquela gente também é dela. Ela chora. Sabe-se irmã, mãe e filha da Terra e da humanidade.


A baleia, o golfinho, o lar, o menino, ela e o mar se fazendo de céu. O universo (in)contido no peito. 

(Bianca Velloso)


sexta-feira, 3 de abril de 2015

fiandeira

(arte: Erik Ravelo)

os sonhos a gente tece
com fios que se desprendem
da memória
:
eletrólitos
.
insólitos fios
:
soltos e desencampados

(Bianca Velloso)


quinta-feira, 2 de abril de 2015

dualidade

(fotografia: Bianca Velloso)

alterno o dia
entre tristeza e alegria
:
manso e pacato
quase acuado
.
vejo o mundo
do lugar que me cabe
.
o mundo é o que a vista alcança
.
e estou pronto para defender
um território que nunca meu será

(Bianca Velloso)