segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Acalanto



Abrigo
de gente
é barriga
de mãe.

- Bianca Velloso - 

Insônia



A cabeça borbulha
- e borboletea -
de ideias
- é inspiração -
Cadê o sono?
Não vem não?

- Bianca Velloso -

Liberdade que me encanta



Ele é lindo!
É lindo porque é livre!
Liberdade estampada
no vestir despojado...

Liberdade aninhada
em seus longos cabelos
de menino poeta
que não aceita gaiolas!

Liberdade desenhada
nas doces notas musicais
que sopra na canção...

Liberdade impressa
nas pegadas dos seus passos
- beira da praia, pés descalços...


- Bianca Velloso -

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cinco Anos



Adélia Prado, reza assim, num poema: "Meu Deus, me dê cinco anos (...) me dá a mão, me cura de ser grande..."

Minha Helena está completando cinco anos neste 29/12. Nem sempre é fácil ser mãe. A filhota tem uma personalidade forte e é cheia das vontades. Às vezes até choro escondida, achando que não sou uma boa mãe... Noutras ocasiões quase me desespero pensando em como será quando ela chegar na adolescência... Pede limite o tempo inteiro!

Mas ela mesma me tranquiliza, quando de repente resolve deitar no sofá, ao meu lado e assistir a um filme como "Doce de Mãe", ou entra no carro pedindo "Mãe, coloca aquela música 'sou filha de Moçambique, sou negra, sim senhor'." E me enche de perguntas, quer saber tudo, entender o mundo... Perguntas que são brinquedos, fantasias, descobertas... Questiona com os olhinhos brilhando... E me encanta! 

Então percebo que no meio dos erros até que estou acertando! Que apesar (ou por causa) do meu jeito torto e fora do padrão, estou formando uma pessoa legal, cheia de curiosidade e vontade de aprender. Uma criaturinha que me desafia sim, me faz pensar, perder o sono, me tira da zona de conforto, que nem sempre pensará ou gostará das mesmas coisas que eu... Mas uma menina iluminada, questionadora, capaz de fazer a diferença no mundo em que habita!

Que Papai do Céu lhe conceda muita saúde e lhe conserve a doçura, o encantamento, o espanto, a curiosidade, a inquietação, a capacidade amar e lutar pela humanidade! Que eu consiga fazê-la entender que o valor da vida é a própria vida, aquilo que o dinheiro não compra! E que pelo menos por uma hora diária eu possa ser curada dessa doença de ser grande, olhar nos olhos dela de igual para igual e aprender a brincar! Tenho impressão de que podemos ser boas parceiras, filha e mãe, mãe e filha, amigas e irmãs!

- Bianca Velloso -


sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O homem ideal



Quero um homem-menino
Que pode mesmo ser cheio de defeitos
Desde que eu possa conviver
E até mesmo brincar com eles - delicadamente

Um homem-menino
Que saiba usar reciprocidade
Melhor que seja artista
Para entender a minha arte

Que consiga sentir meus poemas...
Que tenha sensibilidade...
Poeta e músico, talvez...

Que não tenha ciúmes da minha palavra escrita,
Porque ela nada mais é do que sonho e fantasia...
Brincadeira de mulher-menina!

- Bianca Velloso -

Deméter



Tatuei o símbolo da fertilidade no pescoço 
 e não imaginava a sua força. 
Vivo em estado de gravidez
E gravidade...
Gestação que vive na órbita
existente entre coração e pensamento.
Filha gerada em meu ventre apenas uma: 
Helena. 
Não sei ainda se quero outros. 
Quem sabe, talvez... 
Vivo mesmo é grávida de sonhos, ideias e sentimentos... 
Que começam pequenos dentro do peito... 
Como Deméter, a deusa-mãe, 
vou acalentando-os... 
Eles crescem devagar... 
Até ficarem tão grandes
que precisam ser paridos... 
Nascem em forma de poema...

- Bianca Velloso - 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Ainda sobre o Natal



Sei que sou esquisita mesmo...
E me dou bem com minha esquisitice,
gosto dela e ela também gosta de mim.
Acolhi o espírito natalino,
permitindo que ele entrasse devagarinho em minh'alma...
Não sem tristeza...
Natal é data triste...
De amor, de compaixão, mas triste...
Acolhi também a tristeza...
A mãe percebe minha introspecção...
Não gosto da comida que é servida nesta noite...
Acho exagerada, pesada...
 Tento participar das comemorações familiares...
Mas não me sinto à vontade...
Fico na minha, deslocada e triste...
Penso na formalidade da data...
Tenho o espírito libertário, avesso a essas coisas...
Gosto da simplicidade...
Escrevo o nome das pessoas especiais numa folha,
conecto-me ao universo,
faço minha oração energética,
com a folha bem perto do peito...
Penso nas pessoas que não têm motivos para comemorar...
Nas desigualdades...
Espero que a humanidade
faça o movimento de Perséfone
que vai ao mais fundo do inferno
e renasce trazendo a vida...
Que a partir desta data
as pessoas possam levantar-se do torpor,
da acomodação
e lutar umas pelas outras,
por um mundo mais humano!
Que seja o início do fim da perversidade!

- Bianca Velloso -

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Menino Deus



Numa tarde em que busco
Apenas acolher a solidão
Vem um menininho iluminado
E me traz inspiração!

- Bianca Velloso -

Feliz Natal



Hoje quero inventar meu próprio rito para festejar o Natal. 
Criar uma simbologia toda minha. 
Vivenciar esta data numa sala secreta do coração. 
Numa folha com a letra bem caprichada 
Escrevo o nome das pessoas queridas, 
de todas aquelas que me tocaram a alma até agora. 
Coloco dentro de uma caixa decorada. 
Acendo uma vela. 
Fecho os olhos e sinto o coração: 
 conexão direta com o universo. 
Recebo luz e cores, 
que transmito aos meus amores 
através do pensamento 
e da energia que viaja pelo espaço sideral.

- Bianca Velloso -
 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O fim do mundo



Ontem um menino me contou que estava num abrigo subterrâneo, protegendo-se do fim do mundo. Só metáfora. Fugia de si mesmo.

Mas, o que aconteceria se o mundo realmente acabasse? Tentei criar este fim no meu espaço imaginário, o meu olhar de fim de mundo... Acredito muito no que Galeano conta:

“Um homem do povoado de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir alto no céu e na volta contou: disse que tinha contemplado, lá de cima, a vida humana. E disse que somos um mar de foguinhos. O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros, outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia.”

Sendo assim, se o mundo realmente acabasse seria com uma explosão silenciosa, ou talvez uma explosão musical, música clássica, Vivaldi! Ou quem sabe um samba de Noel? Música doce e suave. E nós, os foguinhos, iluminaríamos o espaço sideral com muitas e muitas cores. Sem dor, sem tristeza, sem mágoas. Só luz e cor: o amor!

- Bianca Velloso - 

Do passo ao voo



Quando foste embora
Primeiro eu chorei
Desesperei-me
Quase despenquei

Depois arrisquei passos
Num caminho estranho
Imbuída de uma racionalidade duvidosa

Até que apareceste
Novamente...
Que alegria!

Pensei que ficarias...
Que nada!
Foi só pra pisar
E maltratar...
Doeu! E muito!

Mas foi exatamente aí
Que descobri
Que posso voar
Que posso ser eu,
MULHER,
Independente, intensa
Densa, deusa, criança

Hoje sou
Aquela que dança
Sem nem saber dançar
Que ri, canta
E faz versos
E encanta

Loucura que liberta


- Bianca Velloso - 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Por onde anda o amor?



O Zeca Baleiro canta no rádio do carro:

"O amor viajou"

E eu me pergunto:

Onde anda o amor que ainda não encontrei?

Em que porto, em que terra, em que mar?

Será que perto, será que longe?

Do outro lado do Atlântico?

Vou para casa, tomo um banho

E, na cama, sonho com ele:

O cheiro, o beijo, a pele, o corpo, o sexo...

Sonho muito... Sonho vivo... Sonho em brasa...

Em seguida, mais um sonho:

O aconchego dos seus braços,

Deitar exausta e feliz no seu peito de homem!

E só depois de tanto sonhar e senti-lo em mim

É que finalmente adormeço...

Levo os dias esperando o momento

Em que ele aportará no meu corpo

Para tomar posse do que já é seu!


- Bianca Velloso -

Para além de Marx



Será que não percebeste? Quando ela brincava, fazia piada e gargalhava era para fugir do medo. O medo de encarar o desejo. Sentia medo do teu medo. O medo que pareces ter das mulheres independentes e bem resolvidas. Ela dirige o próprio carro, anda entre os homens e bebe cerveja no boteco da praça sem o menor cosntrangimento ou pudor. Parece ser forte... Será que é mesmo? Sentia medo ainda de não conseguir disfarçar o encanto quando teus olhos encontravam os dela... No fundo, tudo o que queria era perder-se em ti. Encontrar aconchego, calor e afeto nos teus braços... Incendiar-se de paixão... Voltar a Marx... E ir além... Até que do medo nasceram-lhe asas... E ela voou... Encontrou Marx... E foi além...

- Bianca Velloso -

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Nudez


Acontece de repente
A sensação de estar nua
Muito mais liberdade do que vergonha...
Escrever é despir a alma:
Misturar Deméter com Afrodite...
Delicadeza incandescente!

Bianca Velloso

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Papai Noel Menino



As crianças questionadoras são um barato! Dou muitas gargalhadas com as indagações da minha filha! Tomara que ela nunca perca essa capacidade de perguntar, de inventar hipóteses, de questionar, de se espantar com a vida, de se embriagar de beleza - as alegres e as tristes - de fantasiar para além das fantasias impostas e padronizadas pelo consumismo. 

A origem das fantasias é terna, suave, tem cheiro de canela e gosto doce... O mundo perverso é que gosta de usurpar a imaginação, padronizá-la e usá-la como veículo para promoção do consumo desenfreado. O mundo perverso trabalha para alienar as pessoas, roubar-lhes a capacidade de criar as próprias fantasias. Ainda bem que as crianças nos salvam deste horror!

Enquanto estudava Milton Santos, Helena brincava ao meu lado. Estava concentrada na leitura, quando ela perguntou:

- Mãe, quando tu eras criança o Papai Noel ainda era bem mocinho, né?

Caí na gargalhada e enchi a criaturinha de beijos!

 - Bianca Velloso -

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O cara do livro

Imagem: Iman Maleki

Enquanto danço
Com meus versos livres
Ele desenha com precisão
Sonetos e elegias.
Enquanto ele anda preso 
Eu exercito a liberdade...

Doce ilusão
Pois na verdade
Meu sonho mais livre
É viver eternamente
Presa nos seus braços...

Livre dentro dos seus versos presos!

Bianca Velloso

domingo, 2 de dezembro de 2012

Uma história que emociona



Sou apaixonada por histórias. Sobretudo histórias de amor. Esta é a história da Tia Tata. Não sei se tenho competência para contá-la da maneira como merece, mas é bela demais para ser guardada só comigo. Que me perdoe se algum dado estiver um pouco diferente da realidade. Conto o que me ficou na memória do que escutei entre uns tantos goles de cerveja, no meio de uma algazarra de aniversário de criança.

Ela casou-se aos quarenta e sete anos, quando já estava decidida que a vida boa de ser vivida era a de solteira. Conheceram-se através de amigos comuns, durante um almoço. Ele era 8 anos mais novo. Em determinado ponto da conversa, olhou nos olhos muito azuis de nossa personagem e disse:

- Tu ainda serás minha mulher!

Ela achou graça. Estava realmente disposta a viver sozinha e ele nem era tão interessante assim.

Ele venceu. Por persistência! Ficou dois meses insistindo para que os amigos lhe passassem o telefone dela. Ela proibia. Até que ele não aguentou mais e foi à casa da sua musa. Resistência quebrada, acertou-lhe em cheio o coração. Começaram a namorar. Ela continuava firme no propósito de não casar. De tanto os amigos falarem que era medo do amor resolveu encarar o casamento.

Moravam em São Paulo. Ele jornalista, ela gerente fiscal. Ele trabalhava até altas horas da madrugada, no fechamento do jornal, depois ia beber e jogar dominó com os amigos. Ela saía muito cedo de casa, ele ficava dormindo, às vezes passava o dia trabalhando no Rio de Janeiro e ele só ficava sabendo depois. Durante a semana se falavam apenas por bilhetes, os horários não batiam.

Os colegas de trabalho apostaram que o casamento não duraria. Ninguém dava mais que seis meses para aquela união. A única pessoa que botou fé foi a mãe dele. Conhecia o filho e percebeu que a nora era uma mulher moderna, segura, independente, muito diferente das outras, exatamente do jeito que ele gostava.

O casamento durou quarenta anos, até o momento em que se esgotou o tempo dele aqui na Terra. Agora ela está reorganizando o cotidiano sem o homem da sua vida. Reconstrução difícil. A recompensa é esta história tão bonita que ninguém pode apagar!

- Bianca Velloso - 

Vivendo literatura

"Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer

Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perder-te em meus braços
Pelo amor de deus

Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu" - Chico Buarque em Sem Fantasia



Gosto do meu trabalho das manhãs de sábado. E gosto da viagem solitária de uma hora que enfrento para chegar ao local.

Ligo o som do carro: Oswaldo Montenegro cantando músicas do Chico. O pensamento voa. Um turbilhão de ideias e sensações, sonhos misturados... Penso no homem que resolveu alojar-se em meu coração... Os sonhos agora são todos com ele... 

Ele colocou-me dentro de um livro (é a maneira que sinto nossa história). Um livro ainda não escrito (será?). Estar dentro de um livro não é prisão. É liberdade. Expansão. Conhecê-lo me ajuda a libertar-me dos meus próprios dogmas e paradigmas - ao  mesmo tempo em que acolho os dele, sem tomá-los para mim, apenas para entender e sentir este homem em mim. É tão bom exercitar a liberdade ao seu lado...

Ai, ai! Deixa eu respirar, recompor-me e começar a trabalhar...

Ah, nego! Gosto tanto de ti! Que bom seria se existisses de verdade!

- Bianca Velloso -

sábado, 1 de dezembro de 2012

Meu amado Arnaldo Antunes - uma declaração de amor



Estive pensando no que me faz gostar tanto da música do Arnaldo Antunes... É esta capacidade de ser tão flexível, de não ficar preso a nenhum estilo, nenhum estigma. A capacidade de passear entre o romantismo e o erotismo, os sonhos e a realidade. Ora doce e delicado, ora escroto e contundente, sem perder a coerência nem a consistência. Ser ao mesmo tempo corpo e alma. Ser humano.

- Bianca Velloso - 

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pedro Port



Eis que encontro a doçura
A pétrea doçura do poeta
que puxou conversa
e me ofereceu seus versos
numa corriqueira tarde de terça-feira
na Lagoa da Conceição.
Com carinho aceitou levar
minha singela poesia cotidiana.
Leu. Afagou-me a alma
Devolveu-me ternura
Acertou meu coração.
Feliz encontro:
ele vem comigo
e eu vou com ele!

- Bianca Velloso -

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ah, o amor!



Recebi de presente esta frase:

"O amor é um pássaro rebelde: não aceita gaiolas".

Então respondi:

Tenho um coração escorpiano,

Tinhoso que só ele!

Não me obecede nunca!

E desconhece a palavra calma.

Resolveu, por conta própria, alçar voo.

Voo kamikaze? Talvez sim...

Enfrenta a razão com uma coragem

De dar inveja ao mais destemido guerrilheiro!

Fico eu aqui com um frio na barriga...

E um medo sem tamanho!

Mas é tão bom...

- Bianca Velloso - 

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Decifrando a leitura e a escrita


Helena está ensaiando os primeiros passos na grande aventura da palavra escrita. Até pouco tempo escrevia meu nome deste jeito: BIACA. Observando minha escrita percebeu a presença do "N", mas até então não entendeu sua função ali. Passou a escrever BIACNA. Não corrijo, afinal ela não tem nem 5 anos ainda e tudo isso é, para ela, uma bela brincadeira. E é assim mesmo que tem que ser por enquanto! Hoje verbalizou a dúvida:

- Mãe, por que o N do teu nome não tem som?

- Tem som sim, filha, é Biannnnca. Se não tivesse o N ficaria Biaca.

- Não, mãe, se o N tivesse som ficaria Biâncana!

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Os sonhos de Helena

Como a musa de Galeano, minha Helena também sonha. No próximo mês ela completará 5 anos:

- Mãe, eu sonhei que os teus óculos cairam num bueiro perto da minha escola. Aí eu tirei os meus óculos também e não conseguia enxergar nada!

Como ela consegue fazer uma construção complexa assim? Sim, em outras palavras ela estava dizendo: "Mãe, o meu olhar depende do teu! O teu olhar direciona o meu!" A verdade é que meu olhar também se alimenta do dela!

Isso me fez lembrar outro texto do Galeano:

"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovakloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar!”

- Bianca Velloso - 

sábado, 3 de novembro de 2012

Coisas de Helena

- Mãe, eu te amo! Te amo até o espaço sideral! Até o mais longe de espaço sideral: até o Planeta Mercúrio!

- O Planeta Mercúrio é o mais longe do espaço sideral?

- É!

- Então tá! Te amo filhota! Até o infinito! Linda da mamãe!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Felicidade no olhar

Como é gostoso ver a felicidade estampada nos olhos de quem a gente quer bem!
Aqueles olhos claros que já vi tão tristes, hoje estavam lá, diante de mim, radiantes!
(conjuntivosos, porém radiantes!)
Muitas vezes choramos juntas
Mas hoje o dia foi pura alegria
Contou-me das suas loucuras,
Trocamos confidências
Rimos dos nossos desejos inconfessáveis
- tá bom, nem tão inconfessáveis assim, porque somos duas mulheres bem resolvidas! -
das nossas histórias, das nossas trapalhadas e até dos nossos receios!
Ah, minha querida amiga Marta Magda, a felicidade te cai tão bem!

Bianca Velloso

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Pé na tábua e fé na estrada

Tenho poucas certezas na vida, mas trago comigo algumas crenças:

Acredito que existem vários universos dentro do universo que nos é apresentado pela ciência - diferentes universos que se chocam, se atritam, se visitam, se completam, se contemplam, se constróem, se orientam... Creio que habito o universo dos sonhos, muito embora os testes optométricos digam que meu hemisfério cerebral dominante é o da razão...

Gosto das coisas que me fazem sair da zona de conforto, que quebram paradigmas, que me levam a passear nesses outros universos paralelos...

Tenho meu norte, que pode muito bem ser um sul, um oeste, um leste, nordeste, noroeste, sudeste ou sudoeste...

Gosto da simplicidade, do meio do mato e de todas as possibilidades do fervor da da cidade... Intensidade...

Subo no salto ou ando descalça sem a menor cerimônia ou parcimônia...

Gosto da naturalidade, da transparência da alma, da informalidade, da gente que luta, que não se acomoda, que se transforma, que se transborda, que se lambuza, que não se esconde, que enfrenta suas dúvidas, seus medos...

Acredito na esperança, na mudança do mundo, na diferença, na igualdade, na labuta, e, sobretudo,

ACREDITO NO AMOR!

 - Bianca Velloso -

Poetando...




Eis o meu lema:

"Pé na tábua e fé na estrada,
Não às certezas e sim aos sonhos."

E, quando encontrar um amor,
Que seja ele todo dia um novo sonho,
O mesmo amor, o mesmo homem,
Um sonho real, concreto e infinito
A cada dia...

Que ele não tenha medo,
Porque eu ajudo a inventar
A poesia nossa de cada dia!

Bianca Velloso

A Filha do Rei

"A Princesa

Quando lhe perguntaram o nome, Lili espantou-se muito:

- Ué! Mas todo mundo sabe..." - Mario Quintana, no livro Lili inventa o mundo



Helena não queria jantar, queria apenas comer morangos. Devia ter uns 7 ou 8 meses quando experimentou a fruta pela primeira vez e desde então morango é ítem obrigatório na geladeira de casa. Ela já sabe a história: 

Estávamos em Porto Alegre e passamos em frente a um mercado onde estavam expostos morangos que pareciam apetitosos. Comprei e quase não consegui comer, porque ela adorou e devorou.

Mas, voltando à história do jantar, falei que poderia comer morango de sobremesa. Não se convenceu. Resolvi contar uma história, com o objetivo de distraí-la enquanto tentava fazer com que comesse um pouco. A estratégia funcionou. Contei a história da Sherazade. Ela gostou e pediu outra. Não sou muito boa para contar histórias sem livro:

- Ah, filha, agora não consigo lembrar de nenhuma outra história...

- Inventa então, mãe!

Putz, pior ainda! Inventar história? Eu escrevo, mas minhas histórias são todas reais. Acho que sou racional demais. Tenho dificuldade em entrar no campo da fantasia, das invenções... Porém, não podia perder a oportunidade de fazê-la continuar comendo! Comecei a história:

- Era uma vez um pirata que navegava pelos mares com o objetivo de encontrar a ilha de um rei muito rico e poderoso. O pirata queria roubar todo o tesouro do rei. Já navegava há sete dias e sete noites quando, enfim, encontrou a ilha. Acontece que, chegando lá, esqueceu dos planos de roubar o tesouro do rei... Sabes por que, Helena?

- Não. Por quê?

- Porque ele se apaixonou pela filha do rei! Sabes quem é a filha do rei?

- Claro, né, mãe? Filha de rei é princesa!

- Isso, o pirata se apaixonou pela princesa!

- Mãe! Tu estás contando uma história que já aconteceu de verdade! Assim não vale!

- Já aconteceu? Quando? Como assim?

- Lembra lá no Beto Carreiro? O pirata se apaixonou por mim!

- Então tá, né? Princesa!



Bianca Velloso

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sobre os palavrões

Helena tem, por parte do pai, duas primas mais ou menos da mesma idade que ela: Lara - com quem mantém uma boa relação - e Marina - cuja relação é permeada de ciúmes e implicâncias mútuas.
Hoje, ao chegar da casa do pai, falou:
- Mãe, sabia que "pê-ô-erre-a" é palavrão?
- Hummm... Sei... E quem foi que te disse isso? 
- A Lara!
- Hummmm... - Respondi tentando entender o que pensar dessa história. Mas logo, a própria Helena me deu a deixa para que eu pudesse fazê-la pensar:
- E a Marina falou que todas as palavras são palavrões!
- Interessante isso, filha! Sabes que a Marina tem razão? Todas as palavras podem ser palavrões, dependendo da maneira como elas são ditas!

Não sei se ajudei na reflexão ou se dei um nó na cabeça da minha filha... Mas ela que se acostume, porque a mãe é meio esquisitinha mesmo e é assim que vai ter que aprender a colocar a cabeça para funcionar!

- Bianca Velloso -

sábado, 13 de outubro de 2012

Intensidade



O medo paralisa e a ansiedade atropela
Hoje cá estou, assombrada por estes sentimentos...
Calafrios percorrem meu corpo...
Arrepios... Movimento...
O que será?
Melhor não pensar...
Viver, deixar acontecer...
Ousar?
Melhor escrever, serenar...
Acalentar a parte boa dessa confusão que faz a vida valer a pena...

- Bianca Velloso - 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sonhos e certezas

Desconfio que as certezas, todas elas, não passam de ilusões.
E por isso creio que os sonhos, por mais inatingíveis que pareçam ser,  são muito mais confiáveis do que as certezas...

- Bianca Velloso -

Sobre política e meio ambiente

Com toda a propriedade intelectual de uma criança de 4 anos, Helena tem acompanhado o processo eleitoral e o meu retorno à miltância. Sempre estive muito próxima ao PSOL, mas agora abraço o partido de verdade. Estou em campanha: Elson 50 e Afrânio 50100.

Hoje de manhã saímos as duas a pé para deixar nossa cachorrinha no Pet Shop para banho e tosa. Durante o trajeto, ambas com adesivo no peito, ela puxa conversa:

- Mãe, o Afrânio e o Elson vão construir um viaduto no Rio Tavares?

Aproveitando o fato de a escola estar trabalhando a questão do meio ambiente, respondi:

- Não, filha, eles querem construir mais ciclovias, para que as pessoas andem mais de bicicleta e menos de carro. Carro polui muito a cidade!

- E bicicleta não polui?

- Não, porque não precisa de gasolina!

Deixamos a cachorrinha e voltamos para casa. Na hora de buscá-la, ao meio-dia, havia uma chuva forte, então fomos de carro. Helena reclamou:

- Mããããããããããe! Nós estamos poluindo a cidade!!!!

- Bianca Velloso - 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Qual é direção?

Há tempos isso não me acontecia. Acordei às 5h da manhã com uma frase martelando na minha cabeça: "os sonhos - uma ótima direção". Anotei rapidamente e voltei a dormir. De manhã trabalhei o pensamento. E foi isso o que saiu:

Quando perder o rumo
Quando não souber mais o caminho
Basta lembrar:
Quem dá a direção são os sonhos
Que a gente inventa, reinventa, edita e reedita
Sempre que for preciso.
E o sentido?
Sempre à esquerda, por favor!

Bianca Velloso 06/09/2012

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Música e Literatura

É verdade que nunca fui muito normal. Sempre fui – e continuo sendo – meio esquisitinha. 2012 está sendo bem complicado emocionalmente para mim, cheio de altos e baixos. Muitas dúvidas, incertezas, problemas cujas soluções não dependem mais de mim.
Tenho buscado o ponto de equilíbrio. Não é um caminho fácil e nem sempre consigo. Procuro fazer coisas que me são prazerosas – pequenas doses de felicidade em meio ao temporal. Uma boa atividade é a leitura, mas não qualquer leitura... Não leio livro de auto-ajuda, por exemplo. Este tipo de livro me provoca efeito contrário, é deprimente.
Leio literatura pura. Ultimamente tem sido: José Saramago, Eduardo Galeano, Gabriel García Marquez... Uma biografia da Frida Khalo. A coluna da Eliane Brum toda segunda-feira e a do Ivan Martins toda quarta. Também o blog de uma jornalista de Florianópolis chamada Elaine Tavares que descobri há pouco tempo. E as tiradas da Adriane Canan, outra jornalista da Ilha de Santa Catarina, que tem feito muita literatura de qualidade via facebook.
Música também não pode faltar. Tem poder transformador. Faz tempo que queria voltar a cantar. Hoje retornei a um grupo de cantoria que integrei há uns seis anos. Assim como a literatura, o canto liberta, coloca no eixo, alinha o corpo, a alma, a mente e o coração. Cantar faz serenar.
Saí do encontro sentindo que voltar a cantar foi uma escolha muito acertada e feliz. Vinha pensando nisso no caminho de volta. De repente tudo se transformou quando olhei para um homem no calçadão da Felipe Schmidt, uma das principais ruas do centro de Florianópolis. Era um homem de pele clara, muito magro, estatura mediana, cabelos pretos e curtos, usava uma camisa de botão e mangas curtas de cor verde clara, a calça puída de sarja cinza deixava à mostra um pedaço da canela, meias e sapatos sociais pretos gastos e desengraxados, no rosto uns óculos grandes de metal, estilo aviador, lentes de grau – parecia que se escondia atrás daqueles óculos. Caminhava com a cabeça baixa e os olhos voltados para cima. Fumava segurando o cigarro com o polegar e o indicador, parecia que trazia a cabeça repleta de pensamentos confusos. Levei um susto! Reconheci na hora: Era o Abel, personagem do livro “Claraboia” do Saramago, minha leitura atual, tal qual a imagem que criei na mente. Sorri. E saí rindo sozinha.
Daí em diante olhava para as pessoas na rua e ficava imaginando: esta bem que poderia ser personagem de algum livro do Gabriel García Marquez, aquele parece mais saído de um livro da Isabel Allende, aquela moça ali também tem cara de Saramago... Era inevitável, eu não conseguia controlar... E para aquelas pessoas que não conseguia relacionar a nenhum autor eu inventava-lhes histórias. 
Por um momento achei que estava ficando louca, aquilo nunca havia me acontecido antes. Vez por outra até tentei imaginar a história de algumas pessoas, principalmente quando eu andava de metrô em São Paulo – a diversidade do metrô é inebriante, ainda mais para quem sempre viveu numa cidade sem metrô –, mas nunca tinha sido assim de forma tão intensa. Quem sabe eu não esteja me transformando em escritora de verdade?
Lembrei-me do filme “Meia Noite em Paris”, do Wood Allen, cujo personagem principal, um escritor e roteirista americano chamado Gil, numa viagem a Paris encontra e conversa, todas as noites, com grandes escritores e intelectuais, todos já falecidos. Como se viajasse no tempo toda noite, no mesmo horário (meia noite), e assim ele questiona a própria vida, os próprios caminhos...
É bom quando encontro alguém com um pensamento que parece mais louco que o meu! Não, eu não estou ficando louca! Não sei onde esse devaneio vai parar e nem mesmo se vai me levar a algum lugar... Mas sinto como se alguma coisa tivesse sido ligada dentro de mim... Acredito que a música tenha me despertado, afinal de contas, “quem canta seus males espanta”.

- Bianca Velloso -

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Bolo de Gente Grande

Ontem foi aniversário da Márcia, minha companheira de trabalho na Ótica Helena. Não sei quantos anos ela completou, mas isso também não era importante, o que eu queria mesmo era comprar um bolo e uma vela para cantarmos parabéns.

Passei no mercado com a Helena, ela escolheu um bolo de chocolate. 

- Agora vai lá escolher uma vela para cantarmos parabéns - pedi.

- Mas qual é o número, mãe?

- Ah, não sei... Não sei quantos anos ela está fazendo... Pega um número que tu gostes, um número bonito.

Eu já estava no caixa quando ela chegou com o meu pedido. Veio com duas velas, uma de 9 e outra de 7. 

- Não precisava duas, uma só, filha, coloca a outra de volta lá!

- Mas mãe, bolo de gente grande tem duas velas!

Diante disso não tive mais o que argumentar... A Márcia é que não ficou muito feliz, afinal estávamos comemorando ou seus 97 ou seus 79 anos... Os números não ajudaram muito...

Sobre as perguntas

Helena faz perguntas que levam meu pensamento para lugares nunca antes imaginados. É como se me estendesse sua mão pequenina, e assim me levasse a passear pelos caminhos secretos do universo infantil.

Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Alberto Caeiro, escreveu sobre o Menino Jesus:

"A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mãe a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena."

Este Menino Jesus de Alberto Caeiro vive em todas as crianças. É só prestar atenção e deixar o pensamento ir, fluir, fruir...

Helena perguntou-me:

- Mãe, adulto também faz perguntas?

Pergunta difícil! Não soube responder... Disse que sim, mas me pus a pensar... Lógico que adulto pergunta, mas é outro tipo de pergunta! Adulto deixa de perguntar o essencial... Adulto faz pergunta prática, adulto pensa que tem todas as respostas... O grande barato da vida, o que traz felicidade é ter todas as perguntas, é brincar com todas as perguntas, é descobrir respostas só para inventar novas perguntas... Viver inventando perguntas e respostas... E novas perguntas...

Minha filha, me dá tua mão sempre, e me leva a passear pelo teu caminho. Hoje entendo perfeitamente a música do Toquinho:


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Companheira de escrita

Enquanto escrevo Helena brinca ao meu lado...

Começo a pensar alto: 

- Pequenas doses de felicidade em meio à tempestade... não, não está legal... pequenas doses de felicidade em meio ao furacão... pequenas doses de felicidade em meio ao temporal... o que será que fica melhor, hein? Furacão ou temporal?"

Penso que ela nem está prestando atenção em mim, mas escuto aquela voz de criança me responder:

- Em meio ao temporal fica mais legal!

O que eu posso querer mais de uma filha? Minha companheirona, meu amor! Ela é o tema da maioria dos meus textos, minha poesia cotidiana mais doce... E agora ainda me dá sugestões, me ajuda no exercício da escrita!

- Bianca Velloso - 

domingo, 12 de agosto de 2012

Literatura é terapia

Dentro de um barco sem rumo, no meio de um descaminho, eis que chega Eduardo Galeano com este presente:

A Casa

1984 tinha sido um ano de merda. Antes do infarto, tinham me operado as costas; e Helena tinha perdido um bebê no meio do caminho. Quando Helena perdeu o bebê, a roseira da varanda secou. As outras plantas também morreram, todas, uma atrás da outra, apesar de serem regadas a cada dia.

A casa parecia maldita. E no entanto, Nani e Alfredo Ahuerma tinham passado por lá alguns dias, e ao ir embora tinham escrito no espelho:

'Nesta casa fomos felizes.'

E também nós tínhamos encontrado alegria naquela casa de repente amaldiçoada pelos ventos ruins, e a alegria tinha sabido ser mais poderosa que a dúvida e melhor que a memória, e por isso mesmo aquela casa entristecida, aquela casa barata e feia, num bairro barato e feio, era sagrada.

 E assim, à deriva, o dia transcorreu repleto de pequenas alegrias.

- Bianca Velloso - 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Do momento em que o sono chega

"Os olhos semicerrados de Lídia seguiam o pensamento vago e indeciso. O fio quebrava-se, havia sombras interpostas como nuvens. Depois, aparecia nítido e claro, para logo se sumir entre véus e surdir mais longe. Era como a ave ferida que rasteja, esvoaça, aparece e desaparece, até cair morta. Incapaz de sustentar o pensamento acima das nuvens que o toldavam, Lídia adormeceu". José Saramago

A forma poética utilizada por Saramago para descrever o momento em que o sono chega, a delicadeza de cada palavra, toda essa preciosidade narrativa remeteu-me de imediato a uma fala da Helena, uma fala simples, com a mesma temática:

- Mãe, quando estou na cama, um pouquinho antes de dormir de verdade, vejo um monte de coisas aqui na frente assim ó... – disse movimentando as mãozinhas em frente aos olhos.

- Ah, é? Que coisas tu vês, filhota?

- Muitas coisas: casas, prédios, nuvens, pessoas... 

Com toda a propriedade intelectual de uma criança de quatro anos, com a poesia iminente da sabedoria infantil, teceu um comentário e me surpreendeu pelo fato de prestar atenção neste momento em que o corpo de desliga da mente. É a poesia que vive e brota nas falas infantis! Um dia ela também vai ler Saramago!

- Bianca Velloso - 

Função da poesia

Há dias em que acordamos encharcados de poesia. É como se, de repente, pudéssemos olhar com olhos de criança: olhos de espanto, de admiração, de contentamento, de contemplação. É mais ou menos assim que se desperta o sonho.

Um raio de sol, um pássaro que canta, o colorido de uma flor no jardim, as ranhuras da casca de uma árvore no meio da cidade, uma ponte, um sorriso, uma criança, uma avó, uma bicicleta... De repente tudo ganha vida, tudo provoca emoção.

Há quem transforme em texto, há quem componha canção e há quem registre na fotografia. Mas a grande maioria das gentes só registra no coração. E assim escreve sua poesia na vida e na alma. Seja nas letras, na melodia, na imagem ou na imaginação, esta é a função da poesia: a desinquietação.

Bianca Velloso
07/08/2012

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Quem direciona o olhar é o coração


O problema de ter dois blogs é este: existem histórias que fazem parte da minha poesia cotidiana e ao mesmo tempo retratam olhares... Na dúvida resolvi publicar nos dois. Esta história fala de olhar, de olhar para a vida com outros olhos, que é o objetivo de “Histórias e Olhares”. E também vem carregada do meu olhar de mãe. Mas acima de tudo é um olhar de orgulho, carinho e admiração por uma amiga guerreira. 
Juro que não pensei que ela tivesse toda essa força. Chorei quando recebi a notícia de que ela teria que enfrentar um linfoma. Meu irmão já enfrentou esta luta (a história dele pode ser lida aqui) e sei que é uma barra pesadíssima. Por mais que o linfoma seja um dos tumores com melhor prognóstico, é um câncer e há que se enfrentar a quimioterapia.
Uma vez fui visitá-la no início do tratamento e conversamos sobre a inevitável queda de cabelo. Contou-me que não tinha vontade de usar peruca, que iria assumir a careca. Acabou aderindo às perucas para evitar o olhar de pena que a maioria das pessoas dirige para quem está enfrentando uma quimioterapia. O olhar de pena sempre é arrasador e o que mais se precisa nessas horas é coragem e esperança. Foi duro vê-la careca pela primeira vez, no meu consultório optométrico, só nós duas, mas acho que consegui segurar a onda.
A pior parte do tratamento já terminou. Por mais dois anos terá que tomar um medicamento de controle, mas não tem mais quimioterapia. O cabelo dela já começou a crescer, ainda está bem curtinho, mas já está cheio. Agora ela não usa mais peruca. E está linda assim!
Ontem fomos almoçar na casa dela, Helena – minha filha – e eu. Em determinado momento foram as duas até o quarto, fiquei na sala. De repente aparecem rindo: Helena estava com uma das perucas compradas especialmente para enfrentar o período da quimioterapia. Aquilo virou uma gostosa brincadeira. Todos experimentamos as perucas – até o pai da minha amiga entrou na onda. Mais uma vez tive que conter o choro. Mas fiz questão de fotografar a cena. Helena sabe que minha amiga esteve doente, não sabe e não entende o que de fato aconteceu. Mas a foto foi feita e, quando Helena crescer e conseguir entender, terei o maior orgulho de mostrar a ela como alguém pode transformar em brinquedo um objeto muito significativo de uma parte bastante sofrida da própria história!
Muito obrigada, minha linda amiga, por me proporcionar uma cena de tamanha beleza! Nunca vou esquecê-la! Muito obrigada por me dar oportunidade de contar essa história de superação para minha filhota! Muito obrigada por me ensinar a olhar para aquela peruca como um troféu de uma batalha que venceste!

- Bianca Velloso - 

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Depois do fim

No início do mês chegou ao fim mais uma poesia dentro da minha história. Uma poesia que, pela maneira carinhosa como começou, cheguei a acreditar que não teria fim... Mas as coisas nem sempre são do jeito que a gente imagina... O Ricardo terminou o namoro comigo... E fiquei sem coragem de contar para Helena, que a essas alturas estava adorando ter a Rafa por perto, ir ao sítio em São José do Cerrito... Como eu poderia falar pra ela? Esperei que ela tocasse no assunto.

No meio de uma brincadeira matutina, Helena cantarolou:

- Com quem será,com quem será, com quem será que a mamãe vai casar? Vai depender, vai depender, vai depender se o Ricardo vai querer...

Resolvi que era a hora de contar:

- Ele não vai querer, filha!

- Como tu sabes, mãe?

- Porque ele não quer mais namorar comigo!

- Mas eu vou ficar com saudade da Rafa... - e assim falando chorou um choro sentido.

- Meu amor, a gente pode combinar com o Kao alguma coisa... Pode pedir pra ele trazê-la algum dia aqui, ou mesmo lá no sítio, em Lages...

- Mesmo assim eu vou ficar com saudade!

Aos poucos foi acalmando o choro e voltou a brincar. De noite tocou novamente no assunto:

- Mãe, liga pra Tio Ricardo!

- Ligar por que, filha?

- Pra saber se ele não quer mais mesmo namorar contigo!

- Não, filha, ele já falou que não quer!

- Por que tu não namoras o Val de novo então?

- Porque ele também já falou que não quer mais namorar comigo!

- Namora o Gido, mãe!

- Nada a ver, filha, o Gido é só meu amigo e além do mais ele já é namorado da Jussara!

- Quem é que tu vais namorar então?

- Por enquanto ninguém... Alguém que eu ainda não conheço... 

- "Tadinha" de ti, mãe!

- "Tadinha" por quê?

- Porque tu não tens namorado!

- Às vezes é bom ficar sem namorado, filha! A gente não precisa estar namorando pra ser feliz!

Não sei o que se passa na cabecinha dela sobre essa questão, sobre o significado do namoro. De minha parte não deixei de acreditar no amor, mas acredito que a maturidade nos permite escolher quem deixar entrar no coração. A partir daí se constroi o vínculo e o alimento para que a relação seja duradoura, definitiva: carinho, cumplicidade, companheirismo, sexualidade...

sábado, 30 de junho de 2012

"Só a bailarina que não tem" - mais interpretação musical

Quando tinha dois anos e meio Helena me pediu para fazer aulas de balé. E desde então é baliarina. Hoje fomos ao teatro e na volta ela vinha no banco de trás do carro com a prima Marina, um ano mais velha. Eu conversava com elas e colocava músicas:

- Agora uma música de princesa! Música de E.T., música de chuva, música de lua, música de bichos, música de flor...

- Tem música de bailarina, tia?

Lógico que tem! "Ciranda da Bailarina", do Chico Buarque:

"Reparando bem, todo mundo tem pentelho
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem"

Helena então falou para a prima:
- Eu não tenho problema na família!

-É, mas a Vó Vivi tem! - respondeu Marina.

(A Vó Vivi é avó das duas, mãe do pai da Helena e da mãe da Marina, e está enfrentando um problema de saúde complicado.)

- Se ela fosse bailarina não teria! - concluiu Helena.