quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Pequena Repórter

Há pouco menos de um ano conheci o trabalho da jornalista Eliane Brum: um texto denso que emociona e sensibiliza. Ela olha para pessoas, situações e lugares que a maioria prefere evitar ou ignorar por medo de sair da zona de conforto.

Eliane direciona o olhar - e portanto a reportagem - para os detalhes da notícia, aquilo que está no cotidiano de uma maneira tão intrínseca, arraigada, que parece que sempre foi assim, que não precisa, nem merece ser esmiuçado. Ela esmiúça e mostra. Fala de vida, de gente, de paradigmas, de diferentes verdades. 

Talvez seja um "olhar curioso", "olhar inconformado", "olhar de espanto", "olhar de pergunta", "olhar sensível", "olhar estrangeiro". Tantas definições, nenhuma delas definitiva. O mesmo olhar das crianças, o olhar que transforma realidades, que não se contenta com o determinismo daquilo que se repete todos os dias.

Como Eliane, a pequena Helena carrega essa mania de se importar com aquilo que aos olhos dos outros parece simples. Ambas puxam intermnáveis perguntas de dentro da cabeça e com as respostas costuram histórias que para Eliane se transformam em reportagem e para Helena em brincadeira.

Os textos da Eliane podem ser lidos no site da revista época, ou, para quem preferirum contato mais íntimo, o melhor mesmo é ler os livros "O Olho da Rua" e "A vida que ninguém vê". As histórias, descobertas e concluões da pequena Helena só convivendo com ela para saber, aqui no blog tem um "tira gosto" de tudo isso.

Com este olhar de questionar o que ninguém questiona, Helena interessou-se pela história de um tradicional mercadinho dos arredores de casa. No carro, a caminho do mercado, perguntou:

- Mãe, por que o nome do mercado é Baiá?

- Porque o apelido do dono do mercado, que é o pai da Cris, é Baiá. E ele quis colocar o apelido dele como nome para que todos que o conhecem soubessem que o mercado é dele.

- E por que o apelido dele é Baiá, mãe?

- Não sei, filha, mas se a Cris estiver lá nós perguntamos.

- E como é o nome dele?

- Também não sei, só perguntando para a Cris.

Qual não foi a felicidade da pequena quando viu que a filha do Baiá estava no caixa do mercado:

- Mããããããe! Olha lá! A Cris está no caixa!

Compras no carrinho, hora da entrevista:

- Cris, a Helena quer te fazer umas perguntas.

- Ai, meu deus! - pergunta de criança assusta um pouco - Lá vem! Pergunta, Helena!

- Por que o nome do mercado é Baiá?

- Porque é o apelido do meu pai, que é o dono do mercado.

- E por que o apelido dele é Baiá?

- Porque quando ele nasceu, o irmão não sabia falar o nome dele, só conseguia chamar de Baiá. E aí a família inteira ficou chamando de Baiá, o apelido pegou e ficou para sempre!

- E como é o nome dele?

- É Antônio! O nome do Baiá é Antônio!

sábado, 3 de setembro de 2011

Oftalmologista

Helena conhece todas as letras desde que tinha um ano e meio. Sabe o nome e relaciona com palavras do cotidiano.

Esta semana a levei numa consulta oftalmológica de rotina. Não gostou muito. O colírio para dilatar a pupila é ardido, deu uma fotofobia horrorosa e a deixou sem conseguir focalizar as imagens próximas. Estava realmente muito incomodada com toda aquela função:

- Deu, mãe, vamos embora! Estou com fome! Não consigo enxergar!

Na hora de avaliar a acuidade visual, fui logo avisando à médica:
- Ela já conhece as letras, acredito que vai responder melhor com letras do que com desenhos!

A oftalmologista projetou as letras na parede, apontou um "C" e perguntou:

- Que letra é esta aqui?

Helena está careca de saber que é o "C" da tia Calaca, mas para deixar a mamãe morrendo de vergonha respondeu:

- Não sei!

Fiquei com "cara de tacho", mas não tive coragem de insistir. A médica mudou a projeção de letras para o que chamamos de "E-direcional", que consiste na letra "E" projetada em diferentes direções (para cima, para baixo, para direita e para a esquerda). Helena demorou um pouco para entender a lógica do "para onde a letra está virada", mas acabou respondendo ao teste.

Quando saimos do consultório, perguntei:

- Por que não falaste as letras pra médica, filha?

- Porque eu não estava com vontade! - respondeu.



Arnaldo Antunes 2

Depois de concordar em assistir à apresentação do Gira Coro na Universidade Federal de Santa Catarina, enfrentamos um engarrafamento básico para chegar ao nosso destino, o que fez com que Helena quisesse voltar para casa:

- Mãe, quero voltar para casa!

- Ah, filha, mas a gente tinha combinado!

- Mas eu quero ir pra casa brincar de escola!

- Ah, filha, vamos lá, vai ser legal!

- Mas eu gosto de ver coisa de criança e esse show não é de criança, é de adulto, eu quero ir pra casa!

- Ah, Helena! Sempre que tem coisa de criança eu tenho que ir contigo! E tu não podes ir comigo uma só vez! Poxa filha! Quando eu era criança ia com a minha mãe em shows de adulto e gostava! Tu vais gostar! Uma vez assisti à apresentação de um grupo chamado MPB4, outra vez do João Bosco...

- Mãe, eu quero ir pra casa!

- E tem mais, Helena! Lembra aquele dia que eu fui ao show do Arnaldo Antunes? Tu querias ir junto e não podia entrar criança! Hoje que é um show em que pode entrar criança tu não queres ir!

- É o show do Arnaldo Antunes, mãe?

- Não, meu amor, é de um grupo chamado Gira Coro, é muito legal também!

- Eu quero ir ao show do Arnaldo Antuuuuuuuuuuuunes! Eu quero o Arnaldo Antuuuuuuuunes! - choramingava sem parar.

Não respondi. Mudei de assunto e ela foi acalmando aos poucos. Adorou o show do Gira Coro! E não queria mais vir embora, mesmo depois que o show acabou. Queria ficar lá descobrindo a UFSC.