sábado, 7 de outubro de 2017

a propósito da primavera

a propósito da primavera
:
e se a palavra for sangue?
a gente estanta
.
e se a palavra for medo?
a gente luta
.
e se a palavra for dura?
a gente quebra
.
e se a palavra for amarga?
a gente cura
.
e se a palavra for muda?
então a gente planta

(Bianca Velloso)

verdade

verdade
:
cada um tem a sua
.
minha verdade
é pura e simplesmente
a palavra
.
ainda que seja vulnerável
ainda que seja insustentável
minha verdade
é pura e simplesmente
a palavra
.
a palavra crua
a palavra nua
.
a palavra lava
a palavra larva
a palavra lavra
a palavra lacra
a palavra clara
.
a palavra
.
a palavra cura

(Bianca Velloso)

o sonho

(para Denise de Castro)

o sonho
:
esta realidade
que atravessa as paralelas da vida
e nos faz existir em poesia

(Bianca Velloso)

sobre o desejo

já reparou
repara
repara bem
repara que tem
é sutil mas tem
...
tem outra cor
outra textura
outra espessura
outro sabor
:
os lábios quando desejam
.
eu desejo o beijo teu

(Bianca Velloso)

sobre as feras que me habitam

quem me olha assim
nem imagina
.
eu não sei lidar
com a mansidão
.
tenho gosto pelo exagero
:
os vendavais
os tsunamis
os temporais
as explosões
.
eu não sei lidar
com a mansidão
.
tenho gosto pelo improvável
:
a patagônia
o himalaia
o atacama
a via láctea
.
eu não sei lidar
com a mansidão
.
tenho gosto pelo impossível
:
o universo
o oceano
o horizonte
o corpo humano
.
eu não sei lidar
com a mansidão
.
quem me olha assim
nem imagina

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

sobre sonhar

todo sonho é um despertar
todo sonho é mapa
:
caminho
chão por onde andar

(Bianca Velloso)
(con)versando
- sobre ou com -
os sonhos
:
teu sonho de fundo
teu sonho de base
sonho latifúndio
sem dono, sem amarras
o sonho para além de tudo
além do muro
além das normas
além das janelas
além das telas
além das verdades
além das saudades
além do mundo
da vida e da morte
teu sonho cotidiano

(Bianca Velloso)
fiz com a palavra um pacto
de

d
 e
   s
    c
     a
      m
     i
   n
 h
o

ponto de fuga
do lugar comum

(Bianca Velloso)

que a gente nunca perca essa capacidade
de ser tocado pela simplicidade e pela beleza
das coisas, dos atos, das gentes
essa capacidade de desaguar pelos olhos
:
que desemboca em poesia

(Bianca Velloso)
reza
porque é de reza
que a gente alimenta o dia
.
reza
porque reza é poesia
.
reza
aquela reza forte
que é toda melodia
:
reza

(Bianca Velloso)
(Fotografia de Vê Almeida)

a palavra é
o que transtorna
o que transborda
o que transforma
:
o mundo
e a gente
.
tem palavra que é trama
tem palavra que é trança
tem palavra que é transa
:
e toda palavra é trans

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

o que me dá água na boca
é a língua
.
não a língua de comer
o que me dá água na boca
é a língua que não se sacia
:
a língua de falar
a língua de beijar
e a língua de foder

(Bianca Velloso)
se algum dia
por ventura
minha poesia te ruborizar

não me leva a mal
é que na palavra
a liberdade é o meu lugar

(Bianca Velloso)
ah, esses tempos
de amor enlatado
.
.
.
o desejo espreita
o grito engasgado
rito virtual
faz da realidade
fantasia
literatura que tortura
os dias
e o ventre
:
o sexo exposto na vitrine
tal qual fast food
food truck gourmet

(Bianca Velloso)

terça-feira, 2 de maio de 2017

no ponto equidistante
entre o início e o fim
está o princípio do precipício
.
fácil é atestar a incompetência
do outro
.
difícil é ser doce sem ser dócil
.
fácil é apontar o erro
do outro
.
difícil é reconhecer os acertos
da gente
.
diferentes entendimentos
para a mesma questão
apagando as linhas e as lisuras
do que um dia foi amor

(Bianca Velloso)
agora
o nó aperta
a garganta, o peito, a hora
agora
o desejo já não pulsa
nem há pulso
agora
não há espera
nem demora
agora
o nada e o tudo
o luto
agora
a vida foi embora
agora

(Bianca Velloso)

hoje o céu é poesia
:
de todas elas
prefiro a lua nova
quarto quase crescente
lua que se insinua
semi nua
noite grávida
de promessas
e de estrelas

(Bianca Velloso)
se você ainda não acordou
acorda logo
:
o capital não faz acordos
com a força de trabalho

(Bianca Velloso)
quero, numa tarde azul
deixar a língua passear na poesia
e mordiscar metáforas lambuzadas
de saliva e desejo
.
quero ser risada encarnada
escancarada
porque o riso é o melhor dos afrodisíacos
.
quero sentir o sonho entrar
por todos os poros do arrebol
até ser apenas sol

(Bianca Velloso)
ainda que a raiva fale alto
:
há que se saber escutar a voz do amor
.
ainda que a dor esfole nossa cara no asfalto
:
há que se saber trilhar o caminho do amor

(Bianca Velloso)
tem horas
que a gente precisa
levar a vida
em modo avião

(Bianca Velloso
a linha que tece esperança
é a mesma que sutura a História

(Bianca Velloso)

terça-feira, 11 de abril de 2017

eu, cuja matéria prima são as sombras
também, de vez em quando,
amanheço
.
.
.
e quando sou luz
transbordo em urgências
:
no mar infinito de mim

(Bianca Velloso)
toda gente traz em si
a portátil eternidade
:
 assim como o mar
e o amanhecer

(Bianca Velloso)
no fundo e no raso, se bem repararmos, tudo depende do olhar. ainda que inexista a visão, é a maneira como olhamos que determina o nosso mundo.

(Bianca Velloso)
visão é sentido
olhar é sentimento

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 6 de abril de 2017

louca?

você está precisando de ajuda
você está ficando louca
:
psicopata
.
.
.
deixa que as lágrimas
lavem teus olhos maquiados
ninguém vai te colar no colo
jovem senhora
.
na vida
chega um momento
em que a gente tem que aprender
a lamber as próprias feridas

(Bianca Velloso)

terça-feira, 28 de março de 2017

sobre acreditar

a mãe embala a cria doente. tosse que não cessa. xarope, própolis e gengibre. e nada. é tarde e as farmácias do bairro já estão fechadas. quem sabe aquecendo o peito a tosse dá uma trégua. 

cansada do dia, do cotidiano, do mundo, a mãe sente as mãos ficarem quentes e pousa a direita sobre o peito da cria. 

tenta não pensar. e o pensar vagueia desconexo em estado de quase sonho. uma luz verde ameniza a noite. tranquilidade. a presença da imagem de um índio gorducho naquele verde, na mata, no quarto. 

a mãe sabe que agora a filha está sob os cuidados daquele velho pajé. a tosse vai ficando mais espaçada. elas adormecem.

Bianca Velloso

gente

descobri que não gosto
de gente comedida
.
gente de verdade
é feita de pequenos exageros
.
gente de verdade
tem um quê de meninice
tem a boca um pouco suja
a mente meio insana
um bocado de desprendimento
e os olhos cheios de amanhãs
tem humores, tem odores e despudores

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

brinquedo

um rabisco
um rabicho
uma treta
a cauda de um cometa
quem muito anda em linha reta
deve ter a meta meio torta

(Bianca Velloso)

eu, Pessoa sou

é desassossego
em forma de Pessoa
o que povoa meu peito

(Bianca Velloso)

sobre encontro

quando teu peito encontra o meu
o universo inteiro tem o peso de um abraço

(Bianca Velloso)

sobre o nexo

tal como a poesia
o amor não carece de nexo
o amor gosta mesmo é de metáfora

(Bianca Velloso)

deusa

ainda que caiba
em sutilezas
a poesia é uma deusa escorpiana
misteriosa
criteriosa
e sempre nua
.
lua cheia
nua e cheia
de atravessamentos
e extravasamentos

(Bianca Velloso)

fuzuê

deus gosta mesmo é das nossas horinhas de distração
.
certas vezes deus
é um escorpiano arruaceiro
que adora brincar
com jogos de sedução
no tabuleiro da vida

(Bianca Velloso)

(Fotografia: Vê Almeida)


lá no país da realidade invertida
habita um deus em forma de cachorro
autêntico vira-lata
branco e preto
porte médio
pelo curto
rabo comprido
que atende pelo nome de Bilico

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

sobre a escrita

(para Fêre Rocha)

gosto da poesia escraxada
mas nunca a qualquer custo
.
não quero esta fama absoluta
por tudo e por nada
em tempos de feicibuqui
.
não vendo a alma ao diabo
prefiro meu anonimato
.
poesia eu faço é com respeito
humanidade acima de tudo
.
quando escrevo sou eu
e sou as outras

(Bianca Velloso)

sideral

Fotografia: Vê Almeida


oriunda de antares
só tu tens o mapa
só tu me levas até lá
chego de olhos fechados
e não sei retornar
:
em antares não há economia
em antares só se esbanja
a palavra e o sentimento
:
em antares o amor é extravasamento

(Bianca Velloso)


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

permanência

Fotografia: Vê Almeida


o dia tinha cheiro de horizonte
o céu vermelho-rosa
paradoxalmente
uma chuva de gotas densas
alvorecia
.
eu matava a sede fechando os olhos
e era beijada por um raio solar
.
sentei sobre uma pedra
e uma foca adormeceu no meu colo

(Bianca Velloso)

em estado de só ser

Fotografia: Vê Almeida


parecia medo
era arrebatamento
.
parecia estrangeiro
era essência
.
parecia fora
era dentro
.
parecia dúvida
era certeza
.
parecia loucura
era crença e cura
:
um grito de sereia
parecia choro
era reza e canto
chamado
.
parecia dúvida
mas era certeza

(Bianca Velloso)

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

sutileza

(Fotografia: Vê Almeida)


tesão também é oração
:
forma e fonte
.
o que parece pecado
é simplesmente ebulição
:
trânsito e tráfego
estelar
afoiteza, transformação
...
o correr dos dias
movimento orbital
:
atrevo-me nas linhas
do teu destino



(Bianca Velloso)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

metragens

Fotografia: Vê Almeida

busca um jeito
um passo
um movimento
um vão
qualquer teorema
capaz de estancar a vida
não há
.
mede o tempo
pelos quilômetros
que lhe atravessam
...
o corpo e a alma
:
o que foi
o que será
o que é

(Bianca Velloso)