domingo, 29 de novembro de 2015

itinerário

Fotografia: Vê Almeida


teu corpo
:
um (uni)verso
sem fim
...
eu
astrônoma
astronauta
.
a catalogar tuas estrelas

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

âncora

no desejo
na ternura
no intelecto
na pele
:
amor inesperado
que pega de jeito
.
amor inesperado
que agora ancora
e palpita dentro do peito
.
amor inesperado
amanheço no teu beijo
:
no desejo
na ternura
no intelecto
na pele
...
nosso leito

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

sobre nascimentos e renascimentos

Trinta e um de dezembro. Fim de tarde. Luz amena. À beira da Lagoa ela pedia carona. Não costumo dar caronas, mas naquele dia parei.

- Oi. Tudo bem? Entra. Para onde vais?

- Minha filha está parindo. Podes me levar até o HU?

- Posso sim. Fica tranquila. Vamos até lá.

Fizemos o trajeto todo em silêncio, não perguntei seu nome, nem ela o meu, mas nos reconhecíamos amigas desde há muito tempo. E o tempo estava ali. Um tempo imemoriável, um tempo sólido de um pretérito não vivido, mas sabido.

Esqueci que dia era, esqueci os compromissos familiares, esqueci o trânsito caótico da data. O bebê nasceu. Era uma menina. Maria. Parabenizei a mãe, dei boas vindas à criança, abracei forte a avó. Os foguetes logo me fizeram lembrar que eu precisava seguir. Despedimo-nos.

O ano novo começou. E passou. Com as habituais alegrias e tristezas que compõem a vida.

No ano seguinte, na mesma data, sem prévia combinação, tornamos a nos encontrar na beira de um rio sereno, margeado de flores brancas. E era tamanha a obviedade daquele encontro que não nos perguntamos nada, apenas nos abraçamos. Eu com minha família, ela com a dela.

- Esta é Maria? Que linda está! Posso segurá-la um pouco?

Tomei a menina nos braços. Minha mãe aproximou-se caminhando lentamente e falou com voz suave:

- Agora eu entendi o teu jeito de ver a vida.

- O meu jeito de ver a vida? E como é meu jeito de ver a vida, que nem eu sei?


- Pega aquela flor ali que entenderás. – e continuou o caminhar.

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

sobre a compulsão

eu queria tanto uma calça
eu queria tanto uma bolsa
eu queria tanto um batom
.
eu queria tanto duas calças
eu queria tanto duas bolsas
eu queria tanto dois batons
.
eu queria tanto três calças
eu queria tanto três bolsas
eu queria tanto três batons
.
.
.
eu queria não querer tanto

(Bianca Velloso)

sobre a coragem

- Quero te contar um segredo... Não sei se vais acreditar, ninguém acredita... Mas preciso te contar... - falou com a voz trêmula, segurando firme as mãos da namorada.

- Conta. Pode confiar.

- Eu... Eu sei voar...

- Sério!? - a namorada fechou os olhos, sorriu e fez silêncio por alguns instantes - Eu também sei! Nunca tive coragem de contar isso pra ninguém! - mais uns instantes de silêncio - Voa comigo?

- Não sei... Faz tanto tempo que não voo...

- Ah, vem... Não é difícil... É só dar um impulso e tirar os pés do chão, lembra?

E elas voaram.

(Bianca Velloso)


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

simples


quero a alegria descalça
dançando destemida
chuva e sol
batom borrado de beijo
fotografia no espelho
domingo de carnaval

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

gravitacional

Fotografia: Vê Almeida

teus olhos
:
duas luas gêmeas
inteiras, nuas
.
teus olhos
:
duas luas
a influenciar
lavouras e marés 
dentro de mim

(Bianca Velloso)

sábado, 19 de setembro de 2015

cena

Fotografia: Vê Almeida


casinha simples, de madeira, um único cômodo. limpo, arejado, organizado, iluminado de sol e ternura. duas portas e duas janelas. sobre a cama uma colcha branca, de crochê. no centro da mesa um vaso com flores azuis. o fogão à lenha delicadamente pintado com motivos afros. no cantinho uma prateleira para as poucas louças e os alimentos. uma geladeira antiga. um pequeno guarda-roupas, madeira bruta. ele vive sozinho naquele espaço. 

o pão de cada dia, ganha fazendo tranças nos cabelos das pessoas. ali mesmo, em casa, na própria cama. tem uma técnica toda diferente. cada trança tem por dentro um fio de silicone, cuja ponta é bifurcada com o auxílio de uma faca para arrematar o trabalho. depois ele assopra com força o cabelo trançado. e é isso o que faz toda a diferença.

quando o conheci ele trançava os cabelos de uma morena linda. sentei perto deles, ouvi e contei histórias. fiquei encantada com a maneira como ela balançou os cabelos após o assopro. respirei fundo, ela me deu a mão e saímos as duas pela rua lajotada. enquanto caminhávamos me contou que ele é Oxalá e que ao fazer tranças cuida da cabeça da gente.

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

sobre o querer

quero o teu querer
todo ele
este querer desastrado
desnudo, despudorado


(Bianca Velloso)

paisagem

fotografia: Vê Almeida


quero caminhar nas estradas da tua voz
escutar sem pressa as histórias que te compõem
ocupar a parte que me cabe neste mapa
:
pensamento-coração
ser teu horizonte, ponte, porto, morada
.

(Bianca Velloso)

delonga

Fotografia: Vê Almeida


o dia se dissipa lentamente
.
.
.
em silêncios e abstrações
elucubrações, alucinações
devaneios e desvios
.
.
.
desvãos por onde se esgueiram poemas
senões desnorteados
desvarios
.

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

estrada

trem das cores
de caetano
para iniciar a viagem
.
na bagagem uma lágrima
nos olhos uma constelação
.
atravesso o avesso da memória
.
percorro-me
entrecruzo-me
.
todos os caminhos
têm teu nome
:
luz de acender o sol

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

retrato



sou poeta
e tudo em mim
consiste em poesia
.
sou este emaranhado
:
de vento
de tempo
...
tsunami
temporal
.
metade metáfora
metade metamorfose

meta em construção

abstração
incongruências

tenho o amor transbordando do peito
a essência humana

e a discrição escandalosa dos arrebóis

(Bianca Velloso)

sobre o nascer do amor

(fotografia: Vê Almeida)


entre tantas possibilidades
o que parecia impossível

a
 c
   o
    n
      t
    e
  c
 e
u

com as mãos molhadas de mar
e os seios repletos de sol
o improvável amanheceu em nós

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 16 de julho de 2015

mote

sim, eu sei...
existe a dor da humanidade
a política cheia de sacanagem
e a polícia que abusa da autoridade

existe a falta de tato
e também a falta de abraço

existe a fome
e existe o cansaço

também vejo e percebo
mas meu peito insiste
em vestir outro norte

e naquela cena às margens da BR
enquanto todos mantêm o foco 
nos feridos, nas ambulâncias, nos bombeiros
no estampido que as horas alardeiam
meus olhos horizonteiam o gramado
onde dois cães, ainda filhotes
alheios a tudo
enternecem a tarde numa pequena algazarra

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 15 de julho de 2015

simbiose

(fotografia: Verônica Almeida Siqueira) 


e eu
que zombava tanto
da certeza
.
.
.
até que um dia
ela chegou
e me acariciou
:
a mão
o rosto
a boca
o beijo
.
.
.
ela chegou
.
e me tocou
.
e era tamanha delicadeza
que enfim acreditei
e deixei de duvidar
.
.
.
ela chegou
.
e me tocou
e era tamanha delicadeza
.
que me fez mais vida
mais mulher
mais eu
.
hoje a certeza mora em minha pele
.

(Bianca Velloso)

sábado, 11 de julho de 2015

dádiva

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

aqui
onde o dia
faz a curva
.
cintura
.
onde a alma
faz a calma
.
descompostura
.
onde a lua
faz-se nua
.
iluminura
.
onde o tempo
faz silêncio
.
procura
.
minha boca na tua
a rosa
:
delicadeza
que não cabe num poema
:
aqui
dentro do teu abraço

- Bianca Velloso -

luz

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

a luz castanha da vela
a mesma luz
que teu olhar revela
:
chama efusiva
que vibra
e embala
acalenta
esquenta
.
luz nas entrelinhas
.
delicada cadência
:
corpo
-
aderência
...
silêncio
...
será que é cedo
para dizer
eu te amo
.

- Bianca Velloso -

terça-feira, 7 de julho de 2015

presente

(fotografia: Verônica Almeida Siqueira)


na mão direita
a menina embrulha o barbante
e o aperta
ao encontro do peito
o lado esquerdo do peito
.
o barbante embrulhado
na mão da menina
é o barbante do embrulho do livro
sim, o livro,
o livro cuja história
ressignifica o presente
e o presente
é vida pulsando
:
na História
nos ventos
nos meios
.
manhãs, tardes e noites
.
nas marés
nas saias
nas sinas
.
semanas, meses e anos
.
nas pernas
nas veias
nos olhos
nos seios
na saliva
:
existência
reentrâncias
e urgências

(Bianca Velloso)

artesania

(fotografia: Verônica Almeida Siqueira)


montada no lume
das horas vadias
ela segue
:
o percurso
o compasso
a lida
.
.
.
percussão
persuasão
repercussão
.
banida
de toda vergonha
lambe versos
tece descomposturas
costura palavras
e disseca poemas

(Bianca Velloso)

domingo, 5 de julho de 2015

motivo

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


porque és o riso
do meu riso
e as gotas da chuva
que trago escrita nas pupilas

esse jeito todo nosso
de rir de tudo e de nada
e de encher os olhos d'água

choro e riso sem motivo
locomotiva da vida

eu moro na linha do horizonte
que se projeta em teu sorriso

(Bianca Velloso)

imagem

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

tua imagem dança
rodopia
tua imagem fica
permanece
tua imagem brinca
:
luz e penumbra
tato, paladar, audição, olfato
.
perto, tão perto
.
procuro o foco
perco-me
percorro-te
.
emudeço
.
teu corpo
:
meu endereço

(Bianca Velloso)

enxurrada

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

cachoeira em ebulição
corredeira dentro do ventre
.
.
.
mulher das águas
navego lentamente
tuas densidades
.
deságua em mim teu cio
.

(Bianca Velloso)


assentamento

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

percorrer cada caminho
serras, vales e planaltos
.
ocupar a parte que me cabe
no mapa da tua mão

(Bianca Velloso)

anseio

.
tua imagem na minha palavra
:
tua palavra no meu contexto
:
teu contexto no meu gosto
:
teu gosto na minha boca
:
tua boca no meu seio
:
teu seio no meu beijo
:
teu beijo na minha pele
:
tua pele no meu cheiro
.
teu cheiro... teu cheiro... teu cheiro

prenúncio

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

lá fora o sol toca a face do dia
.
nu, o peito fechado
noite escura no dentro
.
o amor em silêncio
em suspenso
.
o amor descabido
incontido
vertendo águas, lágrimas
nunca mágoas
.
presença forte na ausência
circunstância, inconstância
:
querência
.
uma borboleta amarela flutua leve
a questão (im)posta no ar
:
será adeus ou até breve?

(Bianca Velloso)

destino

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

as horas brincam
em teus cabelos
.
noite que atravessa 
a vidraça
corpo nu
:
na cama, na varanda
na melodia
.
dia que extravasa
.
tempo de sermos nós
:
a sós
.
tempo de dizer sim
tempo de você em mim
:
sem fim

(Bianca Velloso)

Libertad Serena

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


filha das águas
pés no chão
peito desarmado
.
transporta o vento
transborda o tempo
.
ilumina os dias
com uma pureza quase maliciosa
.
acende as noites
com um despudor delicado
.
faz poesia com imagens
inventa aromas com paisagens
.
brinca com fogo
brinca com sombras
brinca em meus sonhos
.
transcende olhares
evoca luares
.
aperta o passo
dança com acasos
.
meu mundo amanhece a teus pés

(Bianca Velloso)

festa

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

tamborilando
a chuva brinca
:
de fazer gota
ponta de arco-íris
conta de colar
cortina de pingo
ritmo e compasso
.
no meio do enquanto
no encanto
no quarto
no trato
no tato
no entre
vertente no ventre
.
as línguas brincam
:
de fazer riso
ponta de paraíso
para-raios
incandescências
intermitências e gozo
...
em silêncio
as flores fazem seresta

(Bianca Velloso)



madrugada

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

dentro o vento
assobia
uma canção
um poema
um sorriso
esboço de paraíso
.
incólume
o amor dorme
nos braços da madrugada
.
fora o silêncio
chama, arde
e acende os olhos da amada

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 29 de junho de 2015

caminhantes



verso a dentro
poesia a fora
adentremos a estrada
:
a tua
a minha
a nossa
.
temos
as duas
os pés descalços
e as mãos seminuas
.
anéis
.
toque que vai além do tato
a história exposta na pele
o sorriso mudo que não cala no peito
olhar noturno grávido de sol
a margem tão dentro
mar que nos percorre
o tempo tão denso atravessando os dias
.
o sal
.
.
.
amor que se conjuga no sempre

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

não por acaso

media a razão
milimetricamente
e acreditava na teoria
da fabricação das coincidências
:
quantas ditas coincidências
(mal ou bem ditas)
acontecem todo dia
sem que a gente as perceba?
.
.
.
ironicamente
desacreditava nas certezas
e destecia as horas
desesperadamente
como quem desfaz
uma antiga peça de tricô
puxando a linha da vida
:
o etéreo. o eterno, o efêmero, o volátil
.
um tropeço no acaso
.
o finito misturado com o infinito
:
o infinitivo

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 8 de junho de 2015

miudezas

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


miudezas tão imensas
miudezas que percorrem a intimidade
e permanecem
miudezas perenes
serenas melodias de sol
luz que atravessa a janela 
luz suave que brinca de ser poesia 
desenhando estrelas
dedilhando sombras 
sobre tua pele 
morena
.
miudezas tão imensas 
miudezas que percorrem a intimidade
e permanecem
miudezas perenes 
serenas melodias de sol
luz de acender o verbo
imagem que se faz verso 
que se faz carne
.
luz abraçando o dia
querer abrasando a estrada 
a tua estrada e a minha
confluência

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

meio dia

outono no hemisfério sul. sol aquecendo as horas. brisa embalando a lida. sento-me à margem do pensar. beleza que canta. barulho de mar. vai e vem ritmado. paisagem sonora que transborda o sentir. fecho os olhos. tu danças. tu, com tua delicadeza tanta. tu, bailarina dentro de mim.

(Bianca Velloso)

fio

vento, sol
.
barulho de mar
:
vamos lá
.
.
.
os mesmos elementos
:
o antes, o agora, o depois
.
o nunca, o sempre
.
o rumo, a rima
.
.
.
os mesmos elementos
:
a atravessar o fio da estética
.
da poética
.
.
.
tempo, espaço
.
física e metafísica
.
casa, caso, acaso, ocaso
.
firmamento
.
.
.
os  mesmos elementos
:
a atravessar o fio da estética
.
da poética
.
.
.
toda paisagem é argumento
toda imagem, metáfora
.

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

delito

 
(arte: Artur Madruga, a convite do Poeta José Couto)
.
.
.
no ventre da moça
pulsa um segredo vermelho
.
um segredo vermelho
pulsa no ventre da moça
.
.
.
silêncio
.
.
.
um silêncio vermelho
e um sonho
pronto a não ser

(Bianca Velloso)




há mar

.
a lágrima sempre
pronta para

c
  a
    i
      r
:
teus olhos
(gr)ávidos de amor
fecundam palavras
em mim

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 15 de maio de 2015

azul

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


no planetinha azul
tão diverso

todos os tons
:
nas peles
nas pétalas
no tato
nos fatos
nos acordes
verdades
(no plural)

no planetinha azul
azuis que se misturam

no planetinha azul
tão diverso
e multicolorido

no planetinha azul
todas as cores do amor

(Bianca Velloso)

luminescência

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


o etéreo infinito pulsando no ventre. um sobressalto e o pensamento escorre pela sobrancelha. desce pele afora, peito adentro. brincante. dá cambalhotas e piruetas. o pensamento dança. faz cócegas. faz riso. instinto. espasmo. desenho de vinho tinto traçado nas costas, impresso no leito. roubo um poema no rubro segredo do teu beijo lilás.

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 6 de maio de 2015

ser(tão) de mim

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


remansos. o quando e o onde. lugares em que meus olhos gostam de pousar. de estar. sem pesar nem cansaço. sem pensar. olhar livre. liberto. olhar embebido de horizonte. embevecido. beleza-guia. amor amanhecido. olhar infinito. amor infinito. o manto da neblina na alvorada. beira de estrada. fumaça que se dissipa. sol tocando o contorno da serra. Terra. água: de mar, de chuva, de rio. céu estrelado. nuvem dourada. lua. luar. e os olhos teus.

(Bianca Velloso)



segunda-feira, 27 de abril de 2015

fotografando o silêncio

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

vi o silêncio nu
no ventre da madrugada
.
o silêncio que me aparecia
quase sempre
como um senhor sisudo
marchando nas bibliotecas
perambulando nas salas de espera
.
o silêncio agora estava ali
à minha frente
e era um menino
um menino desnudo
a brincar com o tempo
a acariciar o instante
.
fiquei horas ali
a observá-lo
.
quando se cansou da brincadeira
o silêncio adormeceu no meu colo

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

têmpera



poesia temperamental
que me persegue
que me percorre
que me percebe
...
nas têmporas
nas fuças
nas veias
no ventre
:
traçando veios
tramando meios
fazendo-me expert
em criar descaminhos
e desatinos
.
rugosidades
temperando intempéries
no exato momento em que teimo
em engarrafar o tempo
.

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

vermelho comunista

(para Maria Eugênia)

os dias prosseguem
velhos e secos de lua
.
os óculos repousam
sobre um livro de Galeano
:
arquivo vivo
.
dos bolsos da calça

es
   cor
        re
            gam

pedrinhas brilhantes
do muro dos escravos
.
um retrato deixado
na parede da igreja
...
promessas que se esvaem
.
volto pra casa
cabelos soltos no espaço
e os passos presos no asfalto

(Bianca Velloso)

cianureto



lábios cianóticos
e uma metáfora
atravessada no peito
.
entre sístoles e diástoles
o amor transformado em metástase

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

um poema de caveira



Alexandrina Felisbina Vieira
era uma caveira
triste, solitária e cabisbaixa
não sorria
não andava
não falava
nem assustar
ela assustava
...
foi aí que um belo dia
na beira da estrada
de repente, sem querer
no meio do nada
a menina com nome de rainha
deu de cara com a coitada
...
a menina, que era assim
meio bruxa, meio fada
com pozinho de pirlimpimpim
deixou Alexandrina encantada
depois a levou para casa
e a caveira que estava abandonada
agora vive toda adornada
bem no meio do jardim
fazendo a alegria da criançada

(Bianca Velloso)





domingo, 5 de abril de 2015

Pertencimento

Ela nada tranquila no azul. Mergulha. Flutua. Olha para cima e vê um rabo de baleia. Percebe-se pequena. Assusta-se. Acredita-se. A baleia vira golfinho. Juntos brincam de ser uno. Universo.

Depois ela aparece dentro da casa. A casa de paredes verdes, um único cômodo. A casa está prenha de dor. A morte está sentada no centro. Veio pela mãos dos homens, sem pedir licença. Arrancou do pequeno lar o menino. 

A dor daquela gente também é dela. Ela chora. Sabe-se irmã, mãe e filha da Terra e da humanidade.


A baleia, o golfinho, o lar, o menino, ela e o mar se fazendo de céu. O universo (in)contido no peito. 

(Bianca Velloso)


sexta-feira, 3 de abril de 2015

fiandeira

(arte: Erik Ravelo)

os sonhos a gente tece
com fios que se desprendem
da memória
:
eletrólitos
.
insólitos fios
:
soltos e desencampados

(Bianca Velloso)


quinta-feira, 2 de abril de 2015

dualidade

(fotografia: Bianca Velloso)

alterno o dia
entre tristeza e alegria
:
manso e pacato
quase acuado
.
vejo o mundo
do lugar que me cabe
.
o mundo é o que a vista alcança
.
e estou pronto para defender
um território que nunca meu será

(Bianca Velloso)

sábado, 28 de março de 2015

o regador da menina

(fotografia: Verônica Almeida Siqueira)


dentro do regador da menina
o que cabe?

cabe a casa da chuva
cabe a estrada enluarada
cabe um céu cheio de estrelas
cabe uma história inventada
cabe a cauda de um cometa
cabe uma poesia encantada
cabe o mar, o sol e mil universos
cabe dragão, bruxa, príncipe e até fada
cabe o milagre e o riso

dentro do regador da menina
a tristeza não faz morada

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 27 de março de 2015

répteis



o tempo todo
o mundo cobra
:
conduta e compostura
.
a vida serpenteia
o amor despenteia

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 25 de março de 2015

borboleta amarela



.
porque já era dia
porque a vida circunstanciava o amor
e sitiava a poesia
.
o sol proferia impropérios
a lua sucumbia
.
uma culpa que não existia
.
no jardim
uma borboleta amarela dizia
:
fica

(Bianca Velloso)

algumas reflexões sobre o sistema político

Vinte e três de março de dois mil de quinze. Aniversário de Florianópolis. Sessão solene da Câmara de vereadores, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, para homenagear algumas pessoas que teoricamente realizam um trabalho importante para a cidade. Entrega de medalhas de honra ao mérito e títulos de cidadão honorário. Algumas muitas lições de como funciona a política no nosso país.

Lição número 1: Estado Laico?

No plenário paira pleno um enorme Cristo pregado na cruz. Ao iniciar a solenidade um vereador clama o nome de deus. Não estamos numa igreja, nem num templo. Ali deveria valer a lei da humanidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como podem pregar o respeito a todas as religiões se ali onde as leis são feitas existem tantos símbolos que determinam a conduta religiosa de uma nação?  Entre os homenageados estavam dois padres e uns cinco pastores da Igreja Quadrangular.

Lição número 2: O universo da política é masculino

Olhando da galeria a chega dos vereadores. Só homens enfatiotados. Apertos de mão e tapinhas nas costas. o mundo másculo fabricando as leis. Algumas poucas mulheres ali presentes (entre as homenageadas e algumas ex-vereadoras) não tinham voz nem vez.

Lição número 3: Quanta hipocrisia cabe dentro da palavra "certeza"? 

Um dos vereadores que está rifando a cidade começa a discursar: "tenho certeza que o que eu quero pra Florianópolis é o que todos aqui também querem." Oi? Como assim?

Lição número 4: As brechas existem. E ainda canta a resistência.

Vereador Lino Peres propõe a entrega do título de cidadã honorária à jornalista Elaine Tavares, que atua e sempre atuou junto aos movimentos sociais, na luta por uma cidade mais igualitária menos excludente. A figura da jornalista destoa entre tantos convidados embecados. Mas ela está lá, sem baixar a cabeça, sendo o que sempre foi, dizendo a que veio. Ouve-se um grito vindo do lugar onde estão os convidados: "Pela Ponta do Coral 100% Pública! Não queremos hotel! Queremos um espaço para todos". Elaine sorri e responde: "contra a exploração imobiliária da Ponta do Coral". Presente na luta. A esperança ainda vive!

(fotografia Rubens Lopes)

quinta-feira, 19 de março de 2015

complacência

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

o sistema encolhe o tempo
e o tempo nos encolhe
nos deglute, nos engole
.
onde está nosso direito
de sermos humanidade?

na retina a imagem da agonia
aperto no peito
nó na garganta
.
diante de mim
aquela mulher
tão frágil
:
corpo que se move lentamente
numa tristeza quase letárgica
.
silencio meus passos
detenho minha voz
.
só meu olhar não se cala
:
tentativa desesperada de lhe estender a mão
.
impotência
.
a História imprime suas marcas nas cidades
...
e muito mais ainda nas pessoas

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 16 de março de 2015

equilibrismo

(para Simone de Beauvoir)

entre o amor e a liberdade
:
medo ou coragem
:
a meta inteira ou pela metade

(Bianca Velloso)


domingo, 15 de março de 2015

homem aluado

Imagem: Laurent Laveder

(em resposta ao 133º Desafio Poético com imagens de TaniaContreiras Arteterapeuta)

:
grande, desengonçado
olhos de algaravia
voz de melancolia
jeito manso de estancar tristeza
.
homem por fora
menino por dentro
.
poema que se demora
cor que evapora
.
se carrega peso
não se sabe
canta o vento
sopra o sol
.
a dor do mundo
apertando o peito
.
ah, homem aluado
tudo em ti é enluarado

(Bianca Velloso)

quarta-feira, 4 de março de 2015

sepulcro

(em resposta ao 132º desafio com imagens de TaniaContreiras Arteterapeuta - Imagem: Ann Keel)


queres o corpo fechado
mas te esfregas nas palavras 
nos desvãos dos poemas
.
insana procura
.
a poesia não fecha o corpo
}pelo contrário{
:
a poesia abre as portas
do descaminho
.
a poesia te sangra
inúmeras vezes
.
a poesia é estrada sem volta
.
a poesia desata outras tantas
possibilidades de ser e sentir
:
desatino
.
outros tantos papéis
outros tantos espaços
.
coisas tão tuas
que nem sabias
que existiam em ti
.
a poesia deixa marcas
cicatrizes, profundezas
.
e nunca mais serás o mesmo

(Bianca Velloso)


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

fronteira

(fotografia: Suzana Pires)


desaprendi teu rio
sim não
ser tão de mim
confim

(Bianca Velloso)

passos

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)

filha de Iansã
caminho 
guiada pelo vento
pelo tempo
por cores, aromas, instinto
.
passos sem destino
fechando ciclos
abrindo estradas
.
paro no quando
quando percebo os olhos da casa
fitando os meus
.
eu, brasileira, miscigenada
e a velha casa portuguesa
.
os olhos da casa
revirando-me memórias
sentidos, horizontes
.
os olhos mudos da casa
dizendo-me
vai
.
.
.
há tanta beleza na ruinaria
vida, semente, recomeço

(Bianca Velloso)






segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

palavras

(fotografia: Veronica Almeida Siqueira)


secretas
e sagradas
.
imagens
que apetecem
emudecem
umedecem
:
os olhos
.
.
.
e o baixo ventre

(Bianca Velloso)

domingo, 22 de fevereiro de 2015

subsolo

(em resposta ao 131º desafio poético com imagens de TaniaContreiras Arteterapeuta)


petrificado o desejo
:
o sonho de ser mãe
.
uma, duas, três, mil lágrimas
.
engaveto o sentimento
.
sigo
à luz de mim
:
mulher

(Bianca Velloso)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

o indizível



.
linda
feita de azuis
.
perto dela
.
.
.
o ar
.
é
.
r a r e f e i t o
.
.
.
deve ser mar
o que ela carrega dentro
.
quando me abraça
sinto o marulhar do mundo
:
o corpo inteiro vibra
.
e já não sei mais
o que é meu
e o que é dela
.

- Bianca Velloso -

O NOME DO MUNDO, de Adriane Garcia






grávida de gravidade
ávida de vida
poeta destemida
mulher a parir poesia
:
Adriane Garcia

Cheirinho de livro novo. Engana-se quem pensa que o livro é leve. A leitura é densa. De fazer sentir o sangue borbulhar dentro do peito. Um soco no estômago de tudo. A percepção do que está dentro e do que está fora, tudo misturado. O que há do mundo dentro da gente. O que há da gente dentro do mundo. Uma janela. O eu fora do centro, fora de foco. O micro no macro. O macro no micro.

Contundente e necessário. O NOME DO MUNDO é um desbunde de beleza. Uma beleza grave, como tudo o que há no espaço e no ser. Uma brevidade que fica ecoando na mente. O efêmero com gosto de eternidade.

- Bianca Velloso -


E agora uma provinha do que encontrarás dentro do NOME DO MUNDO:

TRÊS OLHARES

Os cães têm todos os mesmos olhos
Pedidos vítreos

Os macacos têm todos os mesmos olhos
Lamentos encapsulados

Os humanos têm todos os olhos:
Disfarce da cegueira

(Adriane Garcia)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

alvoroço



quando há lua
nos meus olhos de rio
teu amor é céu
.
constelação
:
estrela, estrela, estrela


quando há sol
nos teus olhos de cio
meu amor é mar
.
oceano
:
onda, onda, onda
...
de calor e arrepio

(Bianca Velloso)


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

à revelia



.
.
.
na revoada dos cometas
o rebuliço do querer

os sonhos todos derramados
as certezas todas derribadas

morangos, moradas
telas, teclas
e no ecrã da memória
o amor
:
eu te amo
desde os sustenidos recém nascidos
até os ancestrais bemóis

(Bianca Velloso)