sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

alvoroço



quando há lua
nos meus olhos de rio
teu amor é céu
.
constelação
:
estrela, estrela, estrela


quando há sol
nos teus olhos de cio
meu amor é mar
.
oceano
:
onda, onda, onda
...
de calor e arrepio

(Bianca Velloso)


quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

à revelia



.
.
.
na revoada dos cometas
o rebuliço do querer

os sonhos todos derramados
as certezas todas derribadas

morangos, moradas
telas, teclas
e no ecrã da memória
o amor
:
eu te amo
desde os sustenidos recém nascidos
até os ancestrais bemóis

(Bianca Velloso)

artesania

Ilustração: Claudio Castoriadis

agora há pouco fez pouco tempo
agora mesmo
eu acho é pouco
é muito pouco tempo para o fim
:
ele arte
ela artesanato
:
ambos artefatos
alamedas eriçadas
:
vozes que chegam
arrefecidas
do alaúde

oferendas
chumbadas
que se deixam
e no céu da boca 
faíscam estarrecidas
da limalha latinizante
deságuam luricidades
:
devoções, romaria, vulva
luz que renuncia o letargo

(Bianca Velloso e Claudio Castoriadis)

domingo, 18 de janeiro de 2015

paragem



faz escuro dentro dela. ela está enrodilhada nos pensamentos desconexos que antecedem o sono. observo o semblante mudo, travesso e sereno desta mulher. minha mulher? minha mulher, tão independente, tão dona de si. mulher que cabe tão bem dentro dos meu braços, dos meus passos, dos meus dias. poesia. tenho sono, mas me detenho naquela lua que ela equilibra na preamar do instante. com a ponta do dedo toco-lhe a ponta do nariz. e todo espaço se ilumina de estrelas com o sorriso que ela desata. desatino. vazante. orifícios. sendas. luz. penumbra. jorro. pequena morte. nascente. nela amanheço.

- Bianca Velloso -

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

sobre a infância, o trabalho, o verão e a essência



sul do brasil. verão na ilha maravilha. férias, trânsito lento, caos. quarenta e duas praias. mística e mistura. sotaques de todo canto. procura. sentido. sentimento. na beira da praia tudo e nada. gente de todo tipo. falta espaço. sobra lixo. o vazio.

- moça, compra castanha?
- quanto é?
- um é quatro, três é dez.
- me vê um.
- leva três...
- não dá, só tenho quatro.
- seu marido tem dez.
- não tem.

...

- quantos anos será que tem este menino?
- seis ou sete.
- tanta malícia. cadê a infância desta criança?

...

o menino trabalha no sol. o  menino magrelo de sotaque nordestino. o olhar cheio de lacunas. perdido no horizonte. corpo franzino e molhado. entre uma venda e outra ele brinca e quase esquece a dor de não ter infância. não tem roupa de banho. de cueca mesmo ele entra no mar. e trata de acalmar o tempo quando encontra a menina rechonchuda que tem roupa de banho mas prefere ir à praia de calcinha. seis ou anos também.

- como é o teu nome?
- helena. e o teu?
- luiz fernando. olha aquela onda. vamos mergulhar.
- vamos. me dá a mão.

(Bianca Velloso)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

gosto de mulher

Arte: Claudio Castoriadis


gosto de mulher
falo místico
riso sísmico
vida morte

natureza rio
calor frio
corte

...
gosto de mulher
falo bio
orgânica orgasmo
política realidade
dionísio rodando as saias
entidades éguas águas

...

gosto de mulher
falo cio
ciclo

gosto dessa fala
essa falha

essa malha
jorro capeline formas

esse entre
permanência iminência deleite

desce e sobe ventre
dos córregos brotam alburnos

frêmitos sonolentos e dependurados
agora
pétalas curvando-se
gosto

síncope sístole semente
quebranto

queda crescente
pelerine de renda
poderia ser
a vida neste instante
âmbar
âmago
lavra

sedimento sangue silêncio
palavra

(Bianca Velloso, Carla Carbatti e Claudio Castoriadis)

domingo, 11 de janeiro de 2015

parceria


inverno

(resposta ao 129º desafio poético com imagens de TaniaContreiras Arteterapeuta)

percorro sem pressa
as coxilhas da minha solidão
:
sou nua
sou sina
sou presa
em liberdade
...
sou pampa
sou pausa
sou pauta
em tempestade
...

- Bianca Velloso -

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Franciscantos, de Wagner Vieira


É com pés descalços que começo a ler Franciscantos. Na beira da praia do Campeche, enquanto a filha aproveita o mar. Pouco a pouco vou me despindo dos meus preconceitos, dogmas e resistências. O texto e as imagens que ele cria vão desnudando meu ser por inteiro. Pesquisa e entrega regem o caminhar deste livro.

É um poema mais lindo que o outro. Difícil escolher entre tantos um para uma "amostra grátis". 

Como poeta que nasce no mundo da declamação, Wagner Vieira preza as palavras bem ditas! Bendita é a tua poesia, Wagner! Bendito és tu neste mundo tão cheio de belezas e de horrores. Sinto-me irmanada a ti, aos teus cantos, aos teus encantos, a São Francisco. 

Termino a leitura, mas não solto o livro, ele ainda vai me acompanhar por dias dentro da bolsa... Deixá-lo na estante, por enquanto, é fazer-me órfã... Ainda não posso largá-lo...

Wagner, teu livro é um presente no peito da gente! Muito obrigada por tê-lo escrito!

Dentre tantos poemas imprescindíveis, escolho, como apresentação do livro, "Oração":


I

Que o Senhor me empobreça,
me ame, me perdoe, depois me esqueça.
Que o Senhor me agradeça
pelo muito que tenho abaixado a cabeça
e aceitado todas essas angústias
e pequenas alegrias.
Que o Senhor escreva em mim
a Sua insígnia em evangelhos e homilias,
mas lembre-se de que eu vivo
muito triste e arrependido
do dia que tive nascido.
Que o Senhor tenha sempre em mira
que a sua Casa virou mercado da mentira
e que aqui vendemos:
Amor, Justiça e filantropias.
Assim eu poderei até ser carecido do sublime,
mas jamais serei lembrado
como aquele sol danado
que queima os lírios e não aquece as alegrias.
Que o Senhor me permita
na sua infinita sabedoria
um instante de suprema Poesia.
Que os encantos de Clara me desencantem:
Que eu cante, que tu cantes, que todos cantem
o Cântico dos Cânticos.

II

Que o Senhor me esclareça
a névoa
para que eu descanse em paz
e a terra me seja breve
e o tempo leve
meu cansaço.
Que eu mastigue esses cânceres
e cuspa eles todos
no espaço.
Que eu durma longe
do regaço da maldade
e ande com os pés descalços
para louvar o chão de cada dia.
E que, declarado o dia do Juízo,
eu esteja a salvo
dos favores do asco
e morra sugando
o leite-sonho num seio
sagrado.

III
Então a Morte será minha amiga
nascida no Início
e eu chegarei aos ossos
do meu ofício.

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
egoísta

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
niilista

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
tecnicista

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
consumista

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
simplista.


sábado, 3 de janeiro de 2015

o amor visto da ponte, de Osmir Camilo, Wagner Vieira e Patrícia Fonseca























o amor é a própria ponte
é meio e entremeio
o vazio e o cheio
frente e verso
:
filia, eros e ágape
no toque, na carícia, na ternura e na malícia
em cima ou debaixo da ponte
na nobreza ou na pobreza
:
é na ponta dos dedos que mora o amor

(Bianca Velloso)
...

o livro revisita a filosofia: Aristóteles, Assis Andrade, Santo Agostinho... E traça seu próprio caminho.

"aqui uma amostra grátis"

:

...

À flor da carne

Estou no olho da rua.
Falando sozinho e beijando
o brilho da lua.

Quem manda na minha boca
é a sua.

(Wagner Vieira)

...

Com a poesia que você me deu
Faço um aviãozinho de papel
E saio voando atrás

(Patrícia Fonseca)

...

A vida é uma rosa
(flor & espinho)

Em todo dia cabe poesia
Do nascer do sol ao raiar do dia.
Alma armadura, corpo terrestre
Flor é rasteira, estrela é celeste.

Todo dia é dia de canção
Natureza, mistério. Criador, criação.
Louva-a-Deus, Joaninha, Juriti, Borboleta.
Dinossauro, Peixe, Asteroide, Avião.

Todo dia é dia de silêncio.
É caminhando que se faz o caminho.
A saudade é um colibri dourado
E o futuro é um sabiá sozinho.

Toda manhã escreve um destino.
Sonho vale a pena se é verdadeiro.
Cabeças ao vento, pés no caminho
Razão em segundo, coração primeiro.

(Osmir Camilo)

...

ana, de Afonso Henriques



um ar de Dostoiévski atravessa esta obra
liberdade de linguagem e pensamento que transcende a narrativa
...
a pele fina e flácida de um velho que se entrega
:
à vida, ao tempo, à ana.
as ruínas de um ser amalgamado na racionalidade
a cumplicidade entre escritor, personagens e leitor

(Bianca Velloso)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

sons



o vento trespassa
a cortina do desejo
...
o tempo desenha
a cor da tua boca
:
bolha de sabão
...
universo onírico
a entoar o verbo
o ser e a carne

- Bianca Velloso -