segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Franciscantos, de Wagner Vieira


É com pés descalços que começo a ler Franciscantos. Na beira da praia do Campeche, enquanto a filha aproveita o mar. Pouco a pouco vou me despindo dos meus preconceitos, dogmas e resistências. O texto e as imagens que ele cria vão desnudando meu ser por inteiro. Pesquisa e entrega regem o caminhar deste livro.

É um poema mais lindo que o outro. Difícil escolher entre tantos um para uma "amostra grátis". 

Como poeta que nasce no mundo da declamação, Wagner Vieira preza as palavras bem ditas! Bendita é a tua poesia, Wagner! Bendito és tu neste mundo tão cheio de belezas e de horrores. Sinto-me irmanada a ti, aos teus cantos, aos teus encantos, a São Francisco. 

Termino a leitura, mas não solto o livro, ele ainda vai me acompanhar por dias dentro da bolsa... Deixá-lo na estante, por enquanto, é fazer-me órfã... Ainda não posso largá-lo...

Wagner, teu livro é um presente no peito da gente! Muito obrigada por tê-lo escrito!

Dentre tantos poemas imprescindíveis, escolho, como apresentação do livro, "Oração":


I

Que o Senhor me empobreça,
me ame, me perdoe, depois me esqueça.
Que o Senhor me agradeça
pelo muito que tenho abaixado a cabeça
e aceitado todas essas angústias
e pequenas alegrias.
Que o Senhor escreva em mim
a Sua insígnia em evangelhos e homilias,
mas lembre-se de que eu vivo
muito triste e arrependido
do dia que tive nascido.
Que o Senhor tenha sempre em mira
que a sua Casa virou mercado da mentira
e que aqui vendemos:
Amor, Justiça e filantropias.
Assim eu poderei até ser carecido do sublime,
mas jamais serei lembrado
como aquele sol danado
que queima os lírios e não aquece as alegrias.
Que o Senhor me permita
na sua infinita sabedoria
um instante de suprema Poesia.
Que os encantos de Clara me desencantem:
Que eu cante, que tu cantes, que todos cantem
o Cântico dos Cânticos.

II

Que o Senhor me esclareça
a névoa
para que eu descanse em paz
e a terra me seja breve
e o tempo leve
meu cansaço.
Que eu mastigue esses cânceres
e cuspa eles todos
no espaço.
Que eu durma longe
do regaço da maldade
e ande com os pés descalços
para louvar o chão de cada dia.
E que, declarado o dia do Juízo,
eu esteja a salvo
dos favores do asco
e morra sugando
o leite-sonho num seio
sagrado.

III
Então a Morte será minha amiga
nascida no Início
e eu chegarei aos ossos
do meu ofício.

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
egoísta

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
niilista

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
tecnicista

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
consumista

Porque é morrendo que se vive
para além dessa subvida
simplista.


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