sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Uma crônica de despedida



Foi num fim de tarde vermelho há poucos dias, sol e lua presentes no horizonte onde o olhar humano alcança, quase poesia. Ela me disse, do alto da sua sabedoria: "no fundo, no fundo, bem lá no fundo, todo mundo é bom!". Escutei e guardei.

Ela, aquela mulher pequenina, muito maior do que o mundo. Ela, que não tem filhos seus, mas traz no peito toda a força de Deméter, a deusa mãe, deusa da fertilidade da gente e da terra, cuidadora das pessoas e dos bichos. Tudo o que ela fala é para ser guardado, pensado. Suas palavras nos levam amorosamente para além das certezas e do senso comum. Ela não fala difícil não, fala de um jeito que todo mundo entende e desperta na gente a vontade de lutar, com respeito e amor, de mãos dadas com o povo e com a natureza.

"No fundo, no fundo, bem lá no fundo, todo mundo é bom!". A frase ecoou em minha cabeça por dias e dias. Até que chegou a notícia de que o Estrela não habitava mais o mundo dos vivos. O Estrela virou energia, poeira cósmica. Na minha opinião o Estrela era um cara arrogante, prepotente e exibido. Mas a morte do Estrela bateu de um jeito estranho no meu peito. Fiquei triste. De verdade. Uma tristeza de furacão, coração apertado, vertigem...

No meio do furacão, o senso comum : "depois que morre todo mundo vira santo". E em seguida o eco: "no fundo no fundo todo mundo é bom". As palavras dela acalentaram meu luto.

Por que fiquei triste pela morte do Estrela? A percepção da finitude da existência? Será que é isso que faz com que morte tenha este poder de mudar o foco do olhar? De certa forma o senso comum tem razão e se mistura com as palavras dela. É bom mesmo que o que permaneça no mundo seja a energia boa de quem que se vai... Não, santo ele não era, nem de longe. E acredito que até ficaria bravo se alguém o proclamasse "O Santo Estrela". Era o Estrela e só: bêbado, mulherengo, grosseiro, arrogante, prepotente e exibido. O Estrela tinha cargo importante. Pensava no Estrela e as palavras dela continuavam navegando em minha mente: "no fundo, no fundo todo mundo é bom!". Apesar de tudo o que me incomodava, e misturado com todos os defeitos, o Estrela tinha um bom coração, defendia os amigos com unhas e dentes, do seu jeito lutava pelos injustiçados e pelos excluídos - e era bom nisso!

No fundo no fundo o Estrela era bom. Não pude me despedir dele, só fiquei sabendo depois. Morreu solitário, foi encontrado morto, provavelmente dias após a partida. Eu não soube de muitos detalhes. Nem procurei saber, estava doendo demais para que me preocupasse com pormenores... Foi no grupo de canto que fiz a despedida, sozinha, alma em voo, conectada à energia sagrada... O grupo de canto canta as divindades gregas: Ártemis, Atena, Hera, Deméter, Perséfone e Afrodite... O Estrela ficaria feliz no meio dessa mulherada, uma tão diferente da outra, todas tão fêmeas, variadas fêmeas... Pedi que elas - as deusas - recebessem e filtrassem as energias do Estrela e que devolvessem pra Terra tudo o que pudéssemos aproveitar: as energias boas e um pouquinho das ruins também, para que haja sempre o equilíbrio... A gente também precisa da energia de guerra, do ódio, para que se possa seguir lutando!

- Bianca Velloso -

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